terça-feira, 17 de novembro de 2015

"Bancadas" - refugios do desespero da juventude guineense

Nos bairros de Bissau, jovens exibem um misto de desesperança e resignação que se consubstancia na palavra crioula “coitadeza”. Para muitos, a Europa, com Portugal à cabeça, é a saída.
Abrigam-se do sol numa figueira alta, frondosa. Uns sentam-se num tronco deitado na terra avermelhada. Outros em pneus velhos ou em cadeiras trazidas de casa. Podem ficar ali o dia inteiro. Lassana Massuba Sila, um rapaz alto, de olhos fundos, é que se lembrou de criar uma “bancada” no Bairro de Belém, periferia de Bissau. “Se levanto de manhã, só a noite que saio daqui para ir tomar ar.”

À sombra daquela árvore, param 34 jovens com um fogareiro, duas chaleiras, três pequenos copos. Vão fazendo um chá verde, adocicado, a que chamam warga. Alguns ainda estudam. Muitos não estudam nem trabalham, como Lassana. “Eu no ano passado concluí [o secundário]. Estou a esperar uma bolsa. Eu quero estudar engenharia informática, mas sabe a situação… Os carentes sempre ficam para trás.”

Tantas “bancadas” nos bairros em torno de Bissau. Há muito quem reduza estes grupos informais a jovens que “não querem pegar tesu”, isto é, que não querem trabalhar, esforçar-se. O sociólogo Miguel de Barros, que se tem dedicado ao estudo dos jovens e das suas formas de participação, vê um modo de expressar descontentamento com o estado do país, de protestar.

“Aqueles jovens não conseguem entrar no mercado de trabalho”, sublinha Barros. O Estado já não pode contratar, a indústria não existe, os serviços rareiam, as organizações não-governamentais empregam um número reduzido. “Escolhem o espaço mais vistoso da sua zona para mostrar a sua precariedade, projectar a sua condição de desesperançados, de vulneráveis.”

Há “bancadas” de assalto, “bancadas” de vigilância de bairro, “bancadas” que fazem rap, “bancadas” que se transformam em centros de debate antes e depois de cada acto eleitoral e “bancadas” que se organizam para recolher lixo, como esta, que o faz três vezes por ano. Em todas paira um misto de desesperança e resignação que se consubstancia na palavra crioula “coitadeza”.

Lassana tem cinco irmãos, três mais velhos do que ele, que já completou 22 anos. Só um trabalha a tempo inteiro. Esse irmão e o pai, que “costuma dar as suas voltas”, sustentam a família inteira. A mãe pede aos outros que não procurem uma “vida sem saída”, isto é, que não se enfiem no crime. Sentado naquele tronco, Lassana queixa-se do país: “Cada dia está pior. Nós, os jovens, é que pagamos por tudo.” Ficam presos à juventude, um estatuto de subalternidade.

Ser jovem na Guiné-Bissau não é igual a ter entre 18 e 35 anos. A juventude depende do género, da etnia, da condição económica. O período é tendencialmente curto para as raparigas, cedo tomadas pelo casamento e pela maternidade, e tendencialmente longo para os rapazes, que só dela saem através de rituais de iniciação e/ou assunção de responsabilidades. O antropólogo Henrik Vigh usa a expressão “moratória social” para designar este tempo, angustiante, marcado pela assimetria das relações sociais e pela falta de oportunidades para cumprir a trajectória que permite sair do estatuto de menoridade, alcançar os direitos e deveres da vida adulta.

Ali, na bancada “há muito puxa-puxa”. “Todos os dias é a mesma coisa”, ri-se Nézio Aniceto Rafael Pereira, o mais alto dos rapazes. Falam de desporto, política, educação, emprego. “Eles acham que a Europa é a solução para os problemas”, resume. Ir para a Europa é “sair do escuro”, isto é, dar o salto para um mundo com horizonte, ganhar independência, tornar-se adulto.

Num instante se percebe a revolta, contida, contra o modo como os mais velhos têm dirigido o país. Nézio abrevia o debate: “Quando uma pessoa está a tentar fazer algo de bom, o outro que não está lá a trabalhar começa a fazer a guerra. E isso não é bom. Sempre concluímos que isso não é bom. Quem merece trabalhar, que deixem trabalhar. Quem não merece, que fique em casa.”

Não é só a instabilidade político-militar, que se agravou desde a guerra civil de 1998-1999. É a fragilidade do Estado e da economia. O país depende da ajuda externa, quase só exporta castanha de caju, é incapaz de garantir serviços e infra-estruturas de nível básico – luz, água, saúde, educação.
Rispito.com/Publico. 17/11/2015

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