quinta-feira, 30 de março de 2017

Sistema judicial virou-se à marioneta do Poder Politico

Suleimane Baldé
Paz e prosperidade económica de um país alcançam-se na efetivação da justiça. Longe estarão a paz e desenvolvimento social, sem uma distribuição equitativa das riquezas e sem acesso, em condições de igualdade, as oportunidades aos cidadãos.
O cidadão espera uma verdadeira paz, e ela não pode ser sinonima de apenas prosperidade económica.
Daí a importância da institucionalização de um órgão de estado, os tribunais.
A função dos tribunais tem a ver com a missão que lhes outorga a Constituição da Republica no seu artigo 19º: “Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.”, donde resulta que esta, a justiça, deve ser exercida em nome e em beneficio da sociedade.
O conceito povo não deve ser entendido como o “mais pobre”, o “menos privilegiado”, mas como uma “associação baseada no consentimento do direito e na comunidade de interesses.” Tem os seus próprios interesses garantidos pelos estados através das constituições.
Daí que, falando dos tribunais, haja para esses um compromisso sagrado de administrar a justiça em nome do contratante.
Os tribunais são instituições do estado e, como tal, a sua esfera de atuação deve plasmar-se no arrimo à constituição e às leis da república.
Mas, se essa importante missão está auto-rogado aos tribunais, é porque o estado  quer garantir que as condições de funcionamento dos órgãos jurisdicionais sejam adequadas.
A começar pelos prédios onde funcionam os tribunais de sectores aos de  1ªs instâncias e o tribunal de 2ª instancia do país que de longe respondem por adequados, uma situação que nem aos magistrados, funcionários judiciais, advogados e outros utentes dos serviços dignifica, essa missão está portanto hipotecada.
Além dos edifícios em ruínas, há o problema de falta de equipamento adequado e de pessoal qualificado para operar com os equipamentos existentes, ainda que parcos, dificultando imensamente o desenrolar normal dos procedimentos administrativos, em claro comprometimento para a importante missão do setor, que devia ser de eficiência e eficácia, de  forma a garantir o Estado Democrático de Direito e uma paz político-social, valores defendidos pela Constituição. Portanto, é ainda do estado a culpa disto estar a acontecer.
 O numero 4 do artigo. 120º da Constituição diz: “No exercício da sua função jurisdicional, os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.”
Sem mais buscar interpretações puramente técnicas, isto só pode significar que o povo, através do estado, delega aos tribunais ( instituições judiciais) o seu papel de resolver os conflitos de interesse, com vista a restaurar a ordem jurídica e impor a autoridade da lei, mas , no cumprimento desta missão de estado,  os seus magistrados precisam (dispõem) de garantias de independência e estão apenas sujeitos à lei para que as suas decisões prevaleçam sobre as de todas as outras autoridades do estado, em cumprimento dos princípios fundamentais de um estado de direito.
Ora, em que importante estará a eleição para o cargo de mais alta magistratura judicial do país.
A abordagem deste assunto me acorreu por duas razoes:
A primeira porque eu, sendo um cidadão daquele país, julgo no direito de dar o meu contributo, possível e necessário em matéria que julgo sensível, quiçá seja útil;
Segunda, pertenci ao quadro dos tribunais durante mais de 2 décadas, exercendo, enquanto oficial de justiça, funções administrativas importantes e desejei partilhar informações para uma franja do Povo.
Mas o que mais me moveu a escrever esta nota tem a ver com o que considero um perigo para o setor da justiça, perigo que tocou os órgãos jurisdicionais do país, sobretudo a sua Instância Superior, o STJ.
Desde quando e em que país uma eleição num órgão independente do estado, o órgão jurisdicional máximo, se tornou numa presa fácil para o Poder Político. Isto só acontece na Guiné-Bissau. Sempre que se avizinham eleições para os cargos de presidente e de vice-presidente do STJ levanta-se sempre poeira e as interferências de outros poderes do estado sempre são notórias.
Para ser preciso, depois do mandato do juiz conselheiro Emiliano Nosoline dos Reis os conflitos para a ascensão ao topo da magistratura judicial viraram um cancro que, ao que tudo indica, sem dias contados para o seu termino.
Isto por quê?
Pode ser simples a minha explicação, mas não o será para outros talvez.
Tem a ver com, principalmente, o que foquei atrás, a independência, mais precisamente, a falta de independência dos juízes, que viraram uma marioneta do Poder Politico, a troco de quê, aí a resposta está para quem entende a linguagem que impera no país... As decisões dos juízes são atacadas nos mais variados círculos, tratados de maneiras menos polidas e criticadas até pelos leigos na matéria. O  juiz deixou de ser aquela pessoa nobre e discreta na sociedade, passando a ser  plebeu e vulgar. Passou de julgador e sentenciador para o sujeito passivo, faltando o pouco para que, na praça publica, seja içado em estátua de madeira podre. É a dura e verdadeira realidade, quer gostem quer desgostem, é esta a pura realidade. Alguém tinha que a dizer tal qual é, quiçá emendemos, nos nossos comportamentos, nos nossos afazeres, nas nossas relações, nos nossos compromissos em servir o Povo e o estado.
O estado é coisa sagrada, um instrumento do povo e com tal não se brinca. Quem vende valores do estado para agradar os seus caprichos mesquinhos está a hipotecar o futuro do seu país, o futuro do seu filho e dos seus descendentes. Consequentemente, não só se condena a si, mas está a levar ao abismo sacrifícios seculares consentidos pelo povo na edificação de uma nação.
O cargo de presidente do STJ, que outrora era visto como  de mero magistrado no topo da carreira, tornou-se a ser mais importante, não pela nobreza da função, mas porque as vantagens pecuniárias e a importância que os detentores do Poder Político lhe deu frustrou as expectativa, transformando o ato eleitoral um ato de elevado risco de contenda entre pares, alastrando este desiderato ao Conselho Superior da Magistratura, órgão superior de gestão e de disciplina dos magistrados ( e também, contrariando a lei, dos oficiais de judiciais).
Se isto reina, não ha que esperar outra coisa: todos querem um dia chegar ao topo da Instituição,  copiando finíssimamente ao pleito eleitoral dos outros órgãos de estado.
Agora querem o distanciamento do Poder Político das eleições no STJ!? Isto, a meu ver, é extemporâneo, porque o Poder Político utiliza os tribunais como um instrumento para resolver os seus problemas mal geridos antes e pós eleitorais. Tudo porque o juiz frequenta os bares e discute a político com os políticos e populares. No pleito anterior, em 2012, chegou-se a vandalizar a casa da então presidente da Instituição, em que muita coisa de anormal foi feita por pessoas não identificadas até hoje. Porque foi feito, por quem e a mando de quem, não se sabe. O que se sabe é que: após o pronunciamento do órgão superior de magistratura, a ação macabra ficou no segredo dos deuses.
Falta-me palavras para descrever o tanto que aquela Casa do povo está sendo posta em causa.
No meio de toda esta querela também está o Cofre-Geral dos Tribunais. Sendo instituído pelo estado através do Ministério da Justiça, a filosofia da sua criação não tem acompanhado os preceitos da lei.
Os rateios que a lei ordena que sejam feitos, 60% para o estado (?),  20% participação emolumentar, 10% ao Cofre dos tribunais e 10%  destinados as construções prisionais, pura e simplesmente há décadas que deixou de ser procedimento, passando os depósitos a serem feitos por cada vara para depois serem os montantes levantados e dados destinos diversos. Existe um conselho de administração do Cofre, mas que, por razoes inexplicáveis não está a funcionar e nem poder o seu presidente tem para tomar uma decisão ou convocar reunião. Quer dizer, um órgão que instituído está, parou de funcionar na sua plenitude. Quando funcionou, não o fez em gabinete próprio e as suas decisões são tomadas pelo Presidente do STJ, até prova em contrario. Este cofre devia há muito ter uma autonomia administrativa credível, ou passar a sua gestão para o Ministério da Justiça, como de resto é opinião de maioria dos atores do sistema judiciário do país. Permitam-me dizer que, em nome da transparência e do bom nome da figura do presidente do STJ, este deve distanciar-se de gestão de fundos gerados pelos tribunais, uma vez que está lá ele na qualidade de magistrado superior e não de um gestor financeiro.
Os tribunais, para funcionarem na sua plenitude, precisam de uma classe, que definiria como auxiliares do sistema cujo papel é fazer com que as decisões dos magistrados sejam efetivas e tenham a eficácia que as leis lhes impõe.
A estes, verdadeiros “voluntários” do sistema,  falta-lhes tudo: Estatuto próprio e lei complementar que regule o funcionamento das secretarias (judiciais e privativas do Ministério Publico), secretarias apetrechadas, garantia de defesa efetiva e de imparcialidade nos processos disciplinares, facilidade na locomoção e garantia de segurança no cumprimento das diligencias, formação e capacitação, entre outros direitos.
 Houve tempos em que os oficiais de justiça eram submetidos à avaliação periódica, e, em função disto, eram acionadas as progressões de acordo com os resultados obtidos. A ultima formação deste tipo foi em 1998, pouco antes do conflito.
 A falta de motivação e o desespero são férteis para a corrupção e a desqualificação de um trabalho que em principio devia ser de qualidade.
Os oficiais deixaram de ser, também eles, o exemplo de funcionários nobres, porque perderam motivação e também, importante dizer, a inspeção deixou de exercer o seu papel de emitir relatórios para o Conselho, aliás, porque também este órgão perdeu o crédito que dantes tinha.  Produzem relatórios que depois são engavetados e esquecidos, pondo em causa assim um trabalho que é feito com gastos de meios financeiros e materiais, incluindo esforços humanos.
Estou em crer que muito está para ser dito e feito. Para o novo presidente do STJ, desafios enormes o esperam, caso queira mudar as coisas. A começar pela reestruturação do sistema de funcionamento dos diferentes órgãos que compõem a estrutura judicial do país, nomeadamente os Tribunais de Pequenas Causas, cujos litígios a resolver se consignem às suas alçadas, facilitando a população o acesso aos seus serviços, em cumprimento do seu papel: de estar mais perto dos seus utentes. Os de 1ª instância são insuficientes em números, pelo que nem todas as regiões do país beneficiam dos seus serviços.
Destacaram-se essas duas instâncias, porque são tribunais de execução e de efetivação da justiça. O  controle permanente, reciclagem periódica do seu pessoal administrativo deve merecer preocupações para o novo presidente do STJ. 
Ora, a formação profissional é muito importante para que haja uma justiça efetiva. Se queremos um quadro administrativo capaz de dar resposta à modernidade que se impõe na utilização das novas ferramentas de trabalho, o desafio para o futuro dos quadros passa para a formação em diversas áreas de administração. Daí que, em matéria de cooperação, o presidente do STJ não deverá ser aquela figura que só espera do governo, ou aquela figura que só almeja desfrutar de mordomias e direitos, à espera que tudo venha a acontecer porque nada pode fazer.
Cada coisa no seu respectivo lugar: O juiz que julgue e sentencie; o oficial que receba os despachos e cumpra as diligencias, cumprindo a lei processual; que os órgãos administrativos dos tribunais cumpram a lei de administração respeitante as suas tarefas; que o Ministério da Justiça crie o competente órgão de administração do cofre geral dos tribunais, porque, em matéria administrativa julgo pertencer esse pelouro a tarefa, e não os tribunais através do STJ, aliás, quem cria as leis de administração e gere o patrimónios dos tribunais é o Ministério da Justiça, cabendo a ele também a tarefa de gerir os fundos adequadamente e para o bem da justiça. Daí, o presidente do STJ distanciava-se de preconceitos criados à volta do Cofre, centrando a sua atenção na administração dos tribunais em dotá-los de meios humanos capazes de responder o papel que o povo lhes outorga.
Concluindo, a figura do presidente do STJ não devia ser aquela em que todos os juízes almejam ser, mas antes a figura de quem, por trabalhar com todas as suas energias e aptidões em prol de uma instituição nobre, merece respeito e abnegação.

Suleimane Baldé
Feito em Lisboa, aos 27 de Março de 2017
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