quinta-feira, 30 de março de 2017

Situação na Guiné-Bissau tende a degradar-se, diz ex-ministro das Finanças

Image result for geraldo martins guine bissauGeraldo Martins, ex-ministro guineense das Finanças, afirma que instabilidade política no país logo após a Mesa Redonda de Bruxelas pôs em causa a estratégia de diversificação e crescimento da economia da Guiné-Bissau.
As instituições não funcionam na Guiné-Bissau. Não há prestação de contas. A Assembleia Nacional Popular (ANP) está bloqueada por causa da crise que se arrasta desde Agosto de 2015, com a queda do executivo de Domingos Simões Pereira. Não há fiscalização às ações dos governos (inconstitucionais e ilegítimos) de iniciativa presidencial, que até então não conseguem apresentar e aprovar o seu programa no Parlamento. Contratos com empresas não são respeitados.
A manter-se assim, a situação tende a degradar-se, com reflexos na vida das populações. Quem o diz é Geraldo Martins, antigo ministro guineense da Economia e Finanças.
"Estes governos têm realmente tido problemas. Para já, não tem havido prestação de contas, a Assembleia não consegue fiscalizar, não respeitam contratos. São várias situações anómalas que estão a acontecer e que põem em causa os próprios fundamentos do Estado de direito democrático e desmobilizam os investidores que realmente tinham grandes expetativas em relação à Guiné-Bissau. Que queriam ir investir mas que agora estão com alguma reticência em relação à credibilidade do país, o que é mau", destaca o ex-ministro guineense.

Image result for geraldo martins guine bissauA situação das finanças públicas é crítica, diz ainda Geraldo Martins, para acrescentar que o país deixou de receber os apoios externos, "porque os últimos governos são ilegais".
E, segundo Martins, sem apoio externo as receitas internas não conseguem cobrir as necessidades da Guiné-Bissau. "Por isso mesmo o país está a atravessar uma situação bastante difícil. Hoje (25/03/17) completam-se dois anos depois da Mesa Redonda de Bruxelas, que foi um acontecimento espetacular não só porque o país conseguiu promessas de financiamento sem precedentes na sua história como também foi o momento de credibilização do país. O país passou a ter maior prestígio junto dos parceiros internacionais, mas infelizmente tudo isto foi estragado por causa de disputas políticas desnecessárias que continuam a travar o processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau, o que é bastante lamentável".
O ex-governante guineense também lamenta os atrasos no pagamento dos salários da função pública e afirma que "o problema que estes últimos governos tem estado a ter é que estão a ter muitas dificuldades para pagar os salários e estão a recorrer ao sistema bancário, aos bancos comerciais. Por exemplo, os últimos salários foram pagos com empréstimos contraídos junto da banca e, portanto, isso não é bom porque é um endividamento que é desnecessário. Se o país estivesse realmente numa situação normal, com a economia a funcionar como deve ser e o Estado a gerar receitas necessárias para o seu funcionamento e para a satisfação da demanda social."

Image result for geraldo martins guine bissauEsta engenharia financeira – adverte – poderá complicar a situação a médio prazo. As receitas que o Estado mobiliza com a produção e exportação do caju, uma das principais fontes de receitas do país, não são suficientes para responder a todas as necessidades.
"As receitas não chegam para cobrir as necessidades de despesas do Orçamento Geral do Estado. E por isso há duas coisas que são necessárias: uma é o aumento da capacidade de arrecadação fiscal, com o funcionamento da economia na sua normalidade – o que é difícil nestas circunstâncias em que há uma crise política; por outro lado também, os parceiros que costumavam apoiar o Orçamento, como a União Europeia e outros parceiros de desenvolvimento, decidiram que não vão fazê-lo enquanto não se voltar à normalidade. E o regresso à normalidade passa necessariamente pelo desbloqueio das instituições de modo a que possam voltar a funcionar normalmente."

Geraldo Martins admite que a pobreza terá aumentado. Muitas atividades económicas empresariais estão paradas ou à espera de financiamento que não chega. Perante este cenário, acrescenta, "os índices de pobreza tendem a piorar". Outra agravante – aponta –, é que este ano as regras de comercialização do caju foram alteradas e tudo leva a crer que o preço a ser praticado já durante a atual e a próxima campanha será bastante inferior comparado com 2015 e 2016, os anos de governação do PAIGC. É que a maioria da população é camponesa e vive da comercialização do caju.

Se a situação é crítica, como entender as promessas à seleção nacional de futebol e os gastos que faz o Presidente JOMAV, alcunha de José Mário Vaz, durante as presidências abertas? Geraldo Martins considera tais "ações políticas totalmente descabidas" e imbuídas de "uma certa imoralidade".
Segundo Martins, o Presidente guineense faz estas presidências abertas "não com o objetivo de ouvir as populações mas sobretudo para passar algumas mensagens de combate político contra o PAIGC, contra o seu líder etc., e com acusações gravíssimas não fundamentadas de corrupção, etc.. O grande problema é: até que ponto esta presidência aberta, além do aspeto financeiro – eu diria até que há uma certa imoralidade em estar a gastar-se agora numa altura em que há grandes dificuldades no país – que não vai dar em nada. Em que o Presidente da República passa mensagens de acusações contra os seus adversários políticos."
O ex-ministro questiona: "até que ponto o próprio Presidente da República, que também no passado teve problemas na justiça por suposto desvio de fundos, tem legitimidade para estar a acusar permanentemente os seus adversários de desvio de fundos? Esta é uma situação absolutamente incompreensível" – afirma.

Geraldo Martins diz que toda a gente vislumbra uma saída para a crise na Guiné-Bissau, menos o Presidente da República.
"A saída passa necessariamente pelo cumprimento daquilo que foi acordado pelas partes, porque o Governo anterior, isto é o Governo de Baciro Dja, quando ultrapassou todos os prazos legais para a aprovação do seu programa, o Presidente da República entendeu que, ao invés de devolver o poder ao PAIGC, devia ir à CEDEAO talvez contando com a indulgência dos seus pares a ver se conseguiam uma solução que lhe favorecesse. Mas quando o Acordo de Conacri foi assinado, o Presidente terá entendido que o acordo não lhe favorecia e, portanto, decidiu pura e simplesmente fazer tábua rasa do Acordo de Conacri. Ora, o que hoje toda a gente diz, não só no país mas também os nossos parceiros de desenvolvimento (ONU, UA, CEDEAO), há um consenso generalizado de que o Acordo de Conacri é, de facto, a via para a saída da crise. Mas o Presidente da República não quer e não está interessado em cumprir com o Acordo de Conacri."

Para Martins, politicamente JOMAV não tem outra saída: "ou respeita a Constituição, dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas ou respeita o Acordo de Conacri. Estamos à espera de ver o que é que o Presidente vai fazer. Mas terá que fazer alguma coisa. Ele é que despoletou a crise e só ele pode resolver a crise", assegura o ex-ministro, que critica JOMAV de "estar a arrastar a situação" porque "não está a pensar no país" mas sim "nos interesses de um grupo de pessoas que sequestrou o poder".
Devidamente acolhido pela comunidade internacional na Mesa Redonda de Bruxelas (25/03/2015), o Plano Estratégico do Governo de Simões Pereira, denominado "Terra Ranka”, identificou os principais pilares de crescimento económico e desenvolvimento social da Guiné-Bissau. Segundo Geraldo Martins, as promessas de então, que rondavam os 1,5 mil milhões de dólares, eram importantes para relançar o país. Infelizmente isso não aconteceu – lamenta o mestre em Gestão e antigo quadro do Banco Mundial.
"Boa parte dos fundos não entrou e provavelmente não entrará se esta situação de crise política prevalecer", conclui Geraldo Martins.
Rispito.com/DW, 29-03-2017

Sem comentários:

Enviar um comentário

ATENÇÃO!
Considerando o respeito pala diversidade, e a liberdade individual de opinião, agradeço que os comentários sejam seguidores da ética deontológica de respeito. Em que todas as pronuncias expressas por escrita não sejam viciadas de insultos, de difamações,de injúrias ou de calunias.
Paute num comentário moderado e educado, sob pena de nao sair em público