quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Guineenses a dois vistos de distância de Macau


Hong Kong suspendeu a isenção de visto para cidadãos da Guiné-Bissau. A partir de agora, quem queira entrar em Macau precisa de dois vistos. O cônsul honorário da Guiné-Bissau em Macau admite que a decisão da RAEHK pode estar relacionada com o uso ilícito de passaportes daquele país por cidadãos chineses.
Inês Santinhos Gonçalves
Desde dia 1 deste mês que os cidadãos com passaporte da Guiné-Bissau passam a precisar de visto de entrada em Hong Kong – incluindo aqueles que estão apenas a fazer escala no território. Anteriormente, os guineenses podiam entrar e permanecer na antiga colónia britânica até 14 dias sem necessidade de visto.
A notícia foi anunciada pelos Serviços de Imigração de Hong Kong e deverá ter impacto em Macau, já que a maioria dos visitantes chega através do território vizinho. Por cá, as regras não foram alteradas, mantendo-se a obrigatoriedade de visto, que pode ser tirado na fronteira. Tanto a Polícia de Segurança Pública como o cônsul honorário da Guiné-Bissau em Macau confirmam que as novas regras de Hong Kong implicam que a maioria dos guineenses passe a precisar de dois vistos. “Agora são precisos dois vistos, um para Hong Kong e outro para Macau, ou para o Continente”, afirma o cônsul honorário John Lo.
Para António Barros, presidente Associação dos Guineenses, Naturais e Amigos da Guiné-Bissau em Macau, esta “é uma forma de dificultar a livre circulação, numa altura em que todos os países estão a fazer acordos para a facilitar, por causa da globalização”. “Para os portadores de passaporte guineense vai ser mais difícil. Gostaria de saber o porquê destas alterações”, questiona.
John Lo afirma que o Governo de Hong Kong não apresentou motivos para esta mudança, mas arrisca uma primeira explicação: “Macau é um lugar importante nas relações entre a China e os países de língua portuguesa. Mas não há voos directos da Europa ou de África, por isso muitos [visitantes] passam por Hong Kong. Talvez Hong Kong sinta que precisa de controlar melhor o que se está a passar”.

Passaportes falsos
O número de guineenses a entrar em Hong Kong subiu exponencialmente nos últimos cinco anos. Dados dos Serviços Imigração de Hong Kong revelam que, em Dezembro de 2007, o território contabilizou 42 cidadãos da Guiné-Bissau. Em Fevereiro deste ano, esse número subiu para 2057.
Em Agosto, Fernando Vaz, porta-voz do Governo de transição da Guiné-Bissau, levantou dúvidas quanto à validade dos passaportes apresentados. “Sabemos que existem muitos chineses com passaportes da Guiné-Bissau. Isso é público, são conhecidas várias denuncias públicas, inclusive que em Macau se vendia um passaporte da Guiné-Bissau por 50 mil dólares”, disse o responsável à Agência Lusa.
John Lo admite que esta possa ser a principal motivação do Governo de Hong Kong para suspender a isenção de visto. “Há chineses com passaportes da Guiné-Bissau, sei disso. Já contratámos um advogado para tratar deste problema. Estamos a tentar resolvê-lo. Já temos uma reunião marcada com o Governo de Hong Kong”, conta o diplomata.
Ainda em Agosto, Fernando Vaz apontou o dedo à questão da produção dos passaportes guineenses. Em Setembro deste ano, os novos passaportes biométricos passaram a ser feitos na Guiné-Bissau, através da Imprensa Nacional. No entanto, anteriormente, eram feitos na China. “Os passaportes da Guiné-Bissau caíram em descrédito total. Uma vez que são feitos na China, não temos nenhum controlo sobre quem os faz, com quantos é que ficam, onde vão parar”, referiu na altura o porta-voz do Governo de transição guineense.
John Lo salienta os esforços do corpo diplomático para amenizar o problema: “As novas regras não são propriamente boas para nós, mas não podemos fazer muito. Estamos a fazer os possíveis para resolver isto”.
Guineense vence recurso contra secretário para a Segurança
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) deu razão a um cidadão guineense, que contestou a proibição de entrar em Macau durante três anos, aplicada através de um despacho do secretário para a Segurança, Cheong Kuok Va.
A interdição surgiu após o requerente ser condenado a pena suspensa de dois anos e seis meses de prisão por “crime de detenção de arma proibida”, segundo o acórdão do TSI. O guineense argumentou que tal decisão teria um impacto familiar negativo, já que é casado com uma residente permanente de Macau, com quem tem um filho, nascido em 2011.
Perante o recurso para suspender a eficácia do despacho do secretário, o Ministério Publicou (MP) alegou que o crime cometido “faz razoavelmente pensar e prever que o requerente não dispõe da idoneidade cívica e moral para exercer o poder paternal e educar o seu filho menor”. Argumentou ainda que o requerente está em processo de divórcio, o que prova uma “ruptura conjugal”.

O TSI, no entanto, não deu razão ao MP.
“Não podemos deixar de dar razão ao argumento de que, com a execução do acto (…) se quebra, com certeza, a estabilidade da família que se estabeleceu na RAEM, com a sua mulher e a criança recentemente nascida (…) Num momento crucial no desenvolvimento e crescimento do filho, e da sua personalidade, considera-se essencial que ambos os pais possam acompanhá-lo de perto, constantemente, alternando e partilhando os esforços e a experiência única e insubstituível de o educarem”, pode ler-se no acórdão.
O documento afirma ainda que “o exercício do poder paternal é um poder e dever do requerente, poder e dever esses que não podem ser afastados pela simples condenação pela prática dos crimes”. Conclui-se que “a quebra do lar causará prejuízos tanto para o próprio requerente como para o menor, cujo interesse o requerente não pode deixar de defender”.
Assim sendo, “dão-se por verificados totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo em causa” – ou seja, do despacho de Cheong Kuok Va que proibiu o guineense de entrar em Macau durante três anos.

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