segunda-feira, 28 de julho de 2014

Fatumata Djau Baldé falou da mutilação genital feminino numa visita efetuada a "Rispito.com" e a "Radio Rispito Online" em Manchester

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Teve lugar em Londres no dia 22 de Julho de 2014, uma cimeira mundial 'Girl Summit' (Cimeira das Raparigas),  organizada pelo Governo britânico, com o objetivo de criar um movimento à escala global para pôr fim ao casamento forçado e precoce e à mutilação genital feminina (MGF). 

Nesta Cimeira mundial estava presente a nossa antiga Ministra de Turismo, de Solidariedade Sicial, de Negócios Estrangeiros e atual Presidente de Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas de saúde da mulher e criança, Dnª Fatumata Djau Baldé.
Na sua curta estada em Londres, Djau Baldé arranjou um tempo para chegar na cidade de Manchester, em visita da cede do "Projeto Rispito" disponibilizou-se aceitar uma  rápida entrevista em direto na Radio Rispito Onlinle e para Rispito.com,  do qual agora se partilha com todos.

RRO/Rispito.com - Qua é a missão principal do Comité Nacional para abandono de práticas nefastas a saúde da mulher e criança?

Fatumata Djau Baldé (FDB) - Permita-me dizer-lhe que o Comité é uma organização que se pode classificar de uma estrutura semi-publica, criada pelo governo,  mas faz parte da organização da sociedade civil e é  autonomo na escolha das suas lideranças mediante assembleia geral.

Portanto, é uma estrutura que apesar de ter parte governamental mas tem a sua própria autonomia  administrativa, patrimonial e financeira. Criado em resposta das recomendações da plataforma da ação de Bejim, depois de ter sido detetado a nível de diferentes países das praticas que têm consequências graves para a saúde da mulher e criança, dos quais os povos em causa consideram essas praticas como suas culturas próprias. Daí que a conferencia de Beijim adicionado com a conferencia internacional de desenvolvimento de Cairo de 1994, recomendou os países signatários do acordo, a criação de estruturas capazes de enfrentar a grande luta de transformar a mentalidade das pessoas perante a comunidade no sentido de acabar com as práticas nefastas a saúde da mulher e criança, casamento precoce e casamento forçado. Foi assim que se criou o Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas de saúde da mulher e criança  em 1996 na Guiné-Bissau. Cujo o objectivo principal é de definir políticas conducentes a mudanças de mentalidades de por fim a todas as práticas consideradas nocivas a nossa saúde.

Rispito.com/RRO - Falando mais particularmente do "fanado da mulher", qual é a principal dificuldade que enfrentam perante essa pratica secular e bem assente?

FDB - Ainda bem que estamos iniciando pelas dificuldades... As práticas são seculares dos quais muitos se consideram como identidades culturais, pelo que faz-los abandonar  não há dúvidas que isso constitui grandes dificuldades... Mas não impossível porque aos poucos estamos encaminhando. Só que transformar um habito num total esquecimento, tanta história de luta será registada no tempo e no espaço. Um exemplo dou em si que neste momento está aqui na Inglaterra com muito coisa de bom para comer, mas não deixas de ter saudades do "Lálo" que é a sua dieta alimentar africana, não pela falta de algo para comer, mas sim pelo costumo de o comer desde criança. 

Da mesma forma é, a prática do costumo secular, onde os costumes e as tradições são, por conseguinte, as razões mais citadas para a MGF. Por estas razões, uma rapariga não é considerada uma adulta numa sociedade que pratica MGF, se não tiver sido submetida à mutilação. Pois a mulher nasceu para ser casada e dona da sua casa e não para ser engenheira, doutora ou politico. Daí que para quem não cumprir esse primeiro requisito de "Fanado" é vitima de grande descriminação que lhe acaba de levar voluntariamente de pedir para ser submetida a MGF.
Eu numa Aldeia cheguei de ser confrontada com um homem que me disse para lhe chamar o nome de quem nao for circunscisado... como é que se chama essa pessoa? de repente outro respondeu que é um BULUFO, logo o homem me disse que, se eu estou na luta para que todos sejam chamados de Buufu. Mas a minha resposta foi de declinar dizendo a ele de que, quem lhe deseja lançar um insulto pega na palavra ofensiva que entender para lhe caraterizar, isso não tem nada a ver com quem for ou não Fanadu

Na Guine-Bissau hoje já não se vê manifestação com tambores do fanadu mas praticam-no, na altura do pirsing (dar furo) na orelha. Os maridos também impões as esposas, pelo que realço a índice do analfabetismo que também joga muito nisto.
Mas em termos gerais algumas culturas acreditam que os órgãos femininos são impuros e têm de ser purificados, e por isso erradicados. Esta prática permite que somente os homens possam desfrutar o prazer sexual. Também se pensa que a MGF melhora a fertilidade e desencoraja a promiscuidade sexual. No entanto, esta prática leva à frigidez das suas vítimas e os seus maridos evitam o relacionamento sexual com as suas esposas, procurando relacionamentos extra-conjugais.
Manifestarem-se contra esta mutilação é extremamente difícil pois podem ser acusadas de se oporem às tradições ancestrais e aos valores familiares, tribais e religiosos, sendo mesmo acusadas de rejeitar o seu próprio povo e sua identidade cultural.

Rispito.com/RRO - Existem diversas formas de praticar a MGF, nomeadamente, tipo 1, que reduz os clitores, tipo 2 que faz corte total dos clitores e parcial dos labios e tipo 3 uma das práticas de maior gravidade – chamada infibulação - consiste na costura dos lábios vaginais ou do clítoris, deixando uma abertura pequena para a urina e a menstruação.... Dessas três qual é que a Guiné-Bissau usa mais?

FDB - Na verdade existem vários tipos de MGF mas que isso varia de país a país, e dentro do mesmo país também isso varia de comunidade a comunidade ou de fanateca a fanateca.  Mas no computo geral na Guiné-Bissau usa-se mais o tipo 2 mas também temos um pouco do tipo 3 que é de esterilização ou seja, de tapar quase o sexo da mulher. Esse ultimo justificado de que a família gosta de ver a filha casada e ao chegar no seu marido virgem, isso não só numa comunidade guineense em especial, mas sim em todas as comunidade da Guiné-Bissau. Razão pela qual esse tipo é praticado em sociedades fortemente patriarcais e onde a virgindade é valorizada, a mutilação genital das mulheres acaba por ser um «selo de garantia» para os homens. 
Mas esse tipo MGF pode tornar a primeira relação sexual da mulher muito dolorosa, sendo mesmo perigosa no caso da mulher sofrer um corte aberto. Em certos casos, as relações sexuais das mulheres continuam dolorosas ao longo da vida.
Na maioria dos casos, os efeitos consistem em infeções crónicas, sangrar intermitentemente, abcessos e pequenos tumores benignos no nervo, causando desconforto e extrema dor. A infibulação pode ter efeitos mais duradouros e mais graves, incluindo: infeção crónica do trato urinário, pedras na vesícula e uretra, danos aos rins, infeções no trato reprodutor devido a obstruções do fluxo menstrual, infeções pélvicas, infertilidade, e tecido excessivo da cicatriz. Durante o parto, o tecido cicatrizado existente nas mulheres mutiladas pode romper. Mulheres infibuladas, que têm os lábios vaginais fechados, têm de ser cortadas para deixarem espaço para a criança nascer. Depois do parto, têm de voltar a ser “fechadas” para assegurar o prazer dos maridos.

Rispito.com/RRO - Guiné-Bissau mantém níveis elevados de mortalidade materna e neonatal.
Na sua opinião que fatores estão na origem deste problema?


FDB - De facto Guiné-Bissau tem um indice elevado da mortalidade materno infantil tal como disseste e bem, mas está-se a reduz. 

Certo é que, os factores que motivam esse índice são vários, entre eles é a própria MGF que dificulta o ato de parto. Porque quem for submetido o "Fanadu" dependendo do tipo que for sobretudo com casamente precoce, onde o corpo nem está preparado para relações sexuais quanto mais das transformações que uma gravidez traz, sem consulta pré-natal, nem centro de saúde e numa Aldeia tão pobre. O momento de parto só dão  motivações de esforço... É neste esforço que muita coisa acontece. Hemorragias que não leva a mãe e filho aguentar e morem.
Por alem de MGF também existem outras razões, tais como insuficiências de infraestruturas de saúde para dar cobro a nível de todo o território. E quando existe um centro de saúde muitas vezes ainda que não equipado para responder as necessidades é também muito distante que não permite chegada de muitos para controlo de gravidez e o controlo pré-natal o que no dia de parto muita coisa acontece. Há também problema de alimentação propria para grávida poder resistir os problemas de parto. 
Outro problema também em caso de locais onde existem centros de saúde não têm técnicos capacitados para o desempenho satisfatório com os problemas da gravidez.
Ainda há problemas de cultura e tradição que pesa sobre mulher guineense que não seja só a MGF "fanadu". Podes acreditar que chega o momento de parto mas não podem sair da casa para hospital ou centro de saúde porque não tem autorização do marido ou o marido não está para pedir autorização. Uma cultura que não deixa a mulher autónomo até nos extremos momentos do risco de vida. O que se pode resumir no factor analfabetismo, porque um casal alfabetizado nunca ou raras vezes pode chegar até nesse ultimo ponto. 

Rispito.com/RRO - E quais são os sucessos que estão a alcançar no meio de tanta dificuldade aqui numerada?

FDB - A pesar de ainda estarmos a quem do desejo, mas posso começar por dizer que um dos sucessos alcançados é o facto de poder eu estar aqui na Rdio Rispito Online junto de si e tranquilamente a falar do comité que presido. Porque uns cinco ou dez anos a traz qualquer radio que se disponibiliza a falar num tema desse, recebia insultos até dizer chega, porque a mentalidade da comunidade não era como é hoje graças a nossa incansável luta.

Uma pratica que dantes era dito que é recomendação coranica, hoje são os Imames na Mesquita é que desaconselham a comunidade da prática de MGF.
Dessa forma, apesar de existência de quem ainda não se rendeu perante um abandono dessa pratica, apesar de ainda existir aqueles que escondem praticando esse ato... Mas o facto de esse assunto estar provado que não é recomendação coranica, é discutida dentro das Mesquitas, muitas fanatecas por alem de deixarem fazer MGF são agora as nossas parceiras e animadoras nas Tabancas e ainda existe lei que penaliza o praticante desse ato, é para mim um grande sucesso alcançado

Rispito.com/RRO - Qual é a sua mensagem de sensibilização e demonstração de perigo de praticar a MGF que queres lançar aqui na Radio Rispito Online?

FDB - Estando falar numa radio audível a todo espaço mundial, a semelhança da mensagem
que sempre deixei nas outras ocasiões, quero pedir fundamentalmente a todos os irmãos emigrantes de que eu sou mulher vitima de MGF e que hoje cá estou para pedir a todos  que abandonem esse ato nefasto...

Tomem em consideração de que eu sou da comunidade que pratica esse ato nefasto, submetido a essa pratica e estou a viver de consequências desagradáveis dessa pratica muito embora não estou aqui para revelar a minha vida em privado.
Eu me sofro com insultos  e injurias de me estar a ser enganada com a cultura e civilização branca, mas como sei do que estou a lutar e para quê é que estou a lutar, pouco me interessa do que os inconformidades dizem.
Só que peço-vos meus irmão emigrantes, como espelhos no meio da família que são, peço-vos congregação de esforços de formas a convencermos a nossa comunidade na erradicação dessa pratica que nos está a causar muita perda de vida humana.
Eu particularmente respeito a minha mãe que me submeteu a MGF por achar que me estava a dar a mais agradável purificação para poder ser considerada e respeitada pela comunidade, com certeza de ser ela desconhecida das consequências dessa pratica. Porque qualquer mãe que, de antemão souber que ao submeter filha dessa pratica isso virá a reverter em algo de mau, nunca aceita fazer a própria filha.
Por isso, ao ter conhecimento do mal que isso faz, não só não submeti as minhas filhas, como também levantei para defender a todas as comunidades do meu país.
Eu até gostava que todos fossem muçulmanas como eu, mas desaconselhando a MGF porque no nosso próprio lugar santo de Meca a MGF não é praticada.
Outra coisa que vos quero dizer é que fazemos esse trabalho na Guiné-Bissau com apoio das Nações Unidas, fundamentalmente com o apoio de UNICEF e FUNUAB, no qual peço a todos o apoio, o qual podem fazer em qualquer gabinete das Nações Unidas porque só assim restaram ajudar-nos no nosso trabalho de formação, sensibilização, dar atividade geradora dentro de comunidade, alfabetização junto a comunidade com as mulheres

Rispito.com/RRO - Microfones ao seu dispor para considerações finais


FDB - Da maneira como estou a dizer que neste momento estou na Inglaterra e eu vivo na Guiné é porque cá estou no quadro de uma conferencia mundial de mulheres 'Girl Summit' organizado pelo Governo britânico no dia 22 de Julho, com o objetivo de criar um movimento à escala global para pôr fim ao casamento forçado e precoce e à mutilação genital feminina.  Isso é provas do reconhecimento mundial do mal provocado por esses dois factores e a preocupação do movimento migratório que também transporta a cultura e tradição, o que agora fez de todo o mundo de um espaço vulnerável a esse fenómeno.
Por isso é que todos nós devemos andar de mãos dadas em luta contra esse mal

Rispito.com/RRO - Radio Rispito Online e Rispito.com agradece a sua amabilidade de ter vindo até aos nossos estudios e de ter concedido essa entrevista em direto.

FDB - Eu é que gostei muito de cá vir, conhecer Rispito.com e a Radio Rispito Online, com certeza de que este é o inicio de uma boa colaboração futura. Prometo que a partir da Guiné-Bissau esta radio será um dos nossos meios para divulgação dos nossos programas, eventos e mensagens. Não só do Comité Nacional de Abandono de praticas nefastas como também das outras 18 organizações de sociedade civil que Comité faz parte assim como mais outras que também defendem a protecção de saúde da mulher e criança, ou aos que defendem direito da mulher e criança de formas a podermos deixar toda a comunidade guineense de onde quer que esteja, muito bem informado da evolução da situação não só de MGF como também da saúde da mulher e criança na Guiné-Bissau.

Muito obrigada.

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