domingo, 3 de agosto de 2014

Um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento 

Abordagem ao modelo de governação e “accountability”

Luís Vicente
Porque não devemos falhar…
De alguns anos a esta parte não se tem verificado, por parte de alguns atores públicos, mecanismos de controlo, auditoria e avaliação dos programas de apoio ao desenvolvimento financiados pelos parceiros internacionais e organismos doadores.

Por outro lado, poucos projetos têm tido resultados práticos no terreno, situação que se relaciona, talvez, com erros de conceção e de execução dos mesmos tendo em conta a realidade do País e a visão do desenvolvimento integrado e sustentado que se pretende.


Porém, no que se refere aos atores não estatais, concretamente ONG´s de prestígio, que atrevo-me a considerar de poucos mas genuínos, tanto nacional como internacional, as coisas mudam de figura, nalguns casos são elas que acabam por executar determinadas políticas públicas da responsabilidade dos organismos públicos, acabando por ter um papel determinante e mais integrador nas respostas sociais, culturais, ambientais e económicas que o País tem necessitado. 

Assim, é dessa forma que pretendo com este pequeno ensaio desenvolver três assuntos que se relacionam e interagem como um todo, apontando caminhos e estratégias possíveis para uma boa governação das políticas públicas associadas aos programas de desenvolvimento e sua eficácia no plano nacional, tendo em conta os mecanismos de controlo “accountability”, modelo de gestão ou governação, financiamentos e projetos de desenvolvimento.

Por “accountability“ ou responsabilização se quiserem, entende-se à “obrigação de membros de um órgão administrativo prestar contas as instâncias controladoras ou aos seus representados”. Significa que “quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como faz, porque faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir”. 

Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas, também, de autoavaliar a obra/projeto feito e desenvolvido, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. 

A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a função é pública, ou seja, quando se trata do desempenho de cargos públicos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Portanto, é importante que cada vez mais se tenha este princípio como “Mandamento” e ser automaticamente acionado em circunstâncias que denotam responsabilidade civil, obrigações e prestação de contas. “Accountability” é considerada um aspeto central da governança, tanto na esfera pública como na privada.

No caso em particular e tomando como exemplo, saliento que não houve escolha ou interesse por este ou aquele projeto/programa em especial mas apenas a essência e a importância que o mesmo reveste para o País, a execução do “Projeto de Apoio a Reforma na Administração Pública” (PARAP) que decorreu entre os anos 2008 e 2011 salvo erro. Na verdade, como é do conhecimento público, este é um importante projeto de reforma da administração pública que beneficiou de cerca de 6,5 milhões de euros por parte da União Europeia para a reforma da administração pública da Guiné-Bissau.

No entanto, de acordo com o relatório público, o então Ministro da tutela (2012) referiu, cito, (…) o projeto foi mal desenhado e mal concebido e os resultados estão aquém das expectativas (…), conforme a notícia que se pode ler através do link: http://www.gaznot.com/?link=details_actu&id=825&titre=Entrevista#.U9paQVjzl9U - publicada pela Gazeta de Notícias Gaznot.com em 31/10/2012. 

Portanto, a questão não tem só a ver com o desenho do projeto mas, também, com a avaliação “ex-ante” que deveria ter sido feita previamente e, automaticamente, adaptar o mesmo à realidade guineense, bem como monitorizar toda a fase de execução do mesmo e apontando caminhos que devem ser seguidos para a sua boa execução. 

Em termos práticos, desenvolveu-se um conjunto de procedimentos e gerou-se uma panóplia de propostas que não deram corpo ao projeto na sua plenitude, acabando por ser abandonado com a interrupção constitucional de Abril de 2012, tal como refere ainda o artigo supracitado (…) durante todo esse tempo houve vários projetos de diploma de modernização e inovação da administração pública elaborados pela consultoria, mas nenhum desses diplomas, infelizmente, foi aprovado durante a vigência do projeto (…). Na verdade, é importante a responsabilização porque não devemos e nem podemos falhar…!

Aplicar o conceito “accountability”, não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos mas, também, de autoavaliar a obra/projeto feito e desenvolvido, e dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a função é pública, ou seja, quando se trata do desempenho de cargos públicos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Portanto, é importante que cada vez mais se tenha este princípio como mandamento e ser, automaticamente, acionado em circunstâncias que denotam responsabilidade civil, imputabilidade, obrigações e prestação de contas. 

Por outro lado, e no que respeita à importância que se dá aos projetos de desenvolvimento e a forma como atuam nos planos político, económico, social, cultural e ambiental, tendo em conta a lógica das necessidades e dos modelos de governação dos mesmos, devem ser enquadrados sempre na ótica do tipo/modelo de desenvolvimento que o País carece e não tanto da arquitetura de programas previamente definidos pelos parceiros internacionais ou organismos financiadores. É importante também verificar se os subsídios e donativos subjacentes ao financiamento dos mesmos têm em conta à alavancagem económica e social que se pretende tanto no plano nacional como internacional.

Sem dúvida que é importante, aliás urgente, o desenvolvimento de infraestruturas básicas necessárias à população, tais como energia, água, saneamento, reabilitação urbana, rodovias, equipamentos de saúde e educação, etc. Mas, é igualmente importante fazer acompanhar estes projetos, de investimento da componente pública, e ter uma visão de integração e da dinâmica do território, bem como do investimento que se pretende em áreas não materiais, tais como a valorização do conhecimento, formação, qualificação, ciência, tecnologia e inovação, bem como a promoção de níveis elevados e sustentados de desenvolvimento económico e sociocultural, num quadro de valorização da igualdade de oportunidades e, bem assim, do aumento da eficiência e qualidade das instituições públicas. 

Entendo que jamais se deverá descurar a intervenção nestas áreas, inclusive reforçando o potencial humano e social, com forte investimento na educação, cidadania, capacitação institucional pública e governamental, sendo esta última reservar-se o direito de definir a melhor estratégia para a Nação. Sublinho que a questão da qualificação é importante e deve ser tida em conta na articulação entre os objetivos e as orientações estratégicas. 

Tanto na questão de “accountability” como da arquitetura dos programas de apoio, importa realçar e assinalar que a conceção, elaboração e implementação de um mecanismo desta natureza exige forte concentração e articulação de esforços por parte do Estado, dos parceiros económicos e sociais, das instituições e da sociedade civil, pelo que acresce a responsabilidade no desenho de um modelo de desenvolvimento que a Guiné-Bissau pretende e que se adapte à sua realidade, não o que as entidades financiadoras pretendem alocar com os seus recursos financeiros.

Por último, no que se refere ao “Modelo de gestão e/ou governação” dos financiamentos e programas de desenvolvimento, gostaria apenas de salientar que o conceito associado a este tema implica necessariamente “ações para governar, dirigir, ordenar, dispor ou organizar”. 

Na verdade, os governos têm um modelo de gestão no qual se baseiam para desenvolver as suas políticas e ações, e com o qual pretendem alcançar os seus objetivos. Contudo, o modelo de gestão adotado pelas organizações públicas difere do modelo de gestão do foro privado, porque enquanto o segundo tem por base a obtenção de lucros, o primeiro põe em jogo outras questões, como o bem-estar social. 

Desta forma, no que se refere aos projetos desenvolvidos por atores públicos estatais, julgo que é relevante abordar o mecanismo de controlo através de uma “Agência para o Desenvolvimento” capaz de garantir uma maior coordenação das opções de “macro programação financeira” e reforçar a racionalidade económica e a sustentabilidade financeira dos investimentos cofinanciados.

Por exemplo, relativamente aos fundos da política de coesão e programas de apoio, a concentração, numa única instituição, das funções relativas à Coordenação global, Certificação, Pagamento, Avaliação, Comunicação, Monitorização e Auditoria de Operações, neste caso em articulação com a Autoridade de Auditoria (podendo ser o Tribunal de Constas), constitui um contributo inequívoco para a racionalização, especialização, eficácia e eficiência dos serviços.

A concretização da Agência para o Desenvolvimento torna igualmente possível apoiar com maior alcance as políticas de desenvolvimento sustentável, designadamente através da conceção e promoção de instrumentos de base territorial que visem a valorização do território e, em simultâneo, desenvolver e estabilizar um centro de competências especializadas em matéria de auxílios de Estado. 

A Agência para o Desenvolvimento teria por missão coordenar a Política de Desenvolvimento Regional e assegurar a Coordenação geral dos Fundos Estruturais e de Investimento. Deve ser dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, aliás um instituto público de regime especial, com capacidade jurídica de intervenção sobre todo o território nacional, situando-se na esfera da administração indireta do Estado, integrada na Presidência do Conselho de Ministros e atuando sob superintendência e tutela do Primeiro-Ministro.

Julgo que a Nação está a viver um momento determinante da sua vida, e as decisões de agora irão marcar não só o seu futuro próximo mas também dos seus filhos. Dos poucos instrumentos que existem, poderão vir a existir muito mais, serão necessárias não só as reformas económicas e políticas, mas, também, direcionar os recursos para a valorização e capacitação do País, dos recursos humanos e do emprego, por forma a dar novas esperanças às pessoas e às instituições. Mas, até lá (…) até lá a Nação tem de acertar a "marcha" com a coesão nacional! ©LV

Lisboa, 02-08-2014.
Luís Vicente
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