Arroz, dependência desnecessária
(artigo
escrito e publicado em 29/10/2011)[1]
De acordo com os dados estatísticos[2]
de 2009, o comércio externo da Guiné-Bissau teve um desempenho negativo em
termos de saldo comercial, em cerca de 20,5 Bilhões de Fcfa, assim desagregado:
Importação 54,9 Bilhões de Fcfa;
Exportação 34,5 Bilhões de Fcfa;
Saldo Comercial - 20,5 Bilhões
de Fcfa. A Taxa de Cobertura foi de 63%.
Estes dados refletem o seguinte: a Guiné-Bissau depende (cerca
de 47%) do exterior para a manutenção da sua sobrevivência em termos de
abastecimento de produtos à sua população. Obviamente que o impacto negativo do
saldo comercial guineense, no montante de 20,5 Biliões de Fcfa, é muito
dinheiro para um País que tem efectivamente recursos naturais suficientes para
contrariar essa tendência.
É sobre um destes recursos, enquadrado no sector
agrícola, nomeadamente o “arroz” que pretendo fazer um pequeno ensaio no
sentido de alertar para a necessidade urgente de olharmos para este sector de
uma forma séria e prioritário para o desenvolvimento do País.
O sector da agricultura na Guiné-Bissau sofre as
consequências das sucessivas crises políticas no país. Há poucos meios, não há
recolha de dados estatísticos, falta formação e, como se não bastasse, os
governos vão contribuindo apenas com menos de três por cento do OE para o
Ministério da Agricultura.
A Guiné-Bissau é um país essencialmente agrícola, e a
agricultura é um sector prioritário e chave para o desenvolvimento do país. O
arroz, base essencial da alimentação dos grupos mais vulneráveis, sobretudo da
população urbana mais carenciada, representa cerca de 16,9% no conjunto das
mercadorias importadas (em 2009) cujo montante ascende a 9,3 Bilhões de Fcfa.
Pretendo assim evidenciar alguns dados, tendo sempre em conta
que o mesmo consta do relatório do Comércio Externo (ano de 2009) publicado no
sítio do INE[3], cujo
organismo é tutelado pelo Ministério da Economia, Plano e Integração Regional.
Os dados constantes no documento supra, identificam três
países, no conjunto de dezoito, que fornecem este produto à Guiné-Bissau. Estes
três países representam cerca de 59,7% do total (ton) do arroz importado,
nomeadamente, por ordem decrescente, Vietname (18,6 ton), Tailândia (17,4 ton)
e Senegal (10,9 ton), que em termos monetários equivale cerca de 5,6 Bilhões de
Fcfa. A tabela 1 a seguir identifica melhor a importação dessa mercadoria por
País de Origem, a quantidade (ton) e valor (10³ XOF).
Tabela 1.
Importação de arroz (2009)
PAÍS DE ORIGEM
|
QUANTIDADE (TON)
|
VALOR (10³ XOF)
|
% S/VALOR
|
FRANÇA
|
8
|
1013
|
0,01%
|
ILHAS
CANARIAS
|
125
|
10000
|
0,11%
|
GAMBIA
|
61
|
13070
|
0,14%
|
INDIA
|
329
|
27386
|
0,29%
|
ANTIGUA
|
264
|
38413
|
0,41%
|
EMIRATOS
A. UNIDOS
|
604
|
50585
|
0,54%
|
ESPANHA
|
526
|
60000
|
0,64%
|
RUSSIA
|
1
|
80000
|
0,86%
|
SINGAPURA
|
2770
|
234002
|
2,51%
|
PORTUGAL
|
3000
|
249926
|
2,68%
|
CHINA
|
2526
|
258080
|
2,77%
|
ARGENTINA
|
7137
|
571234
|
6,13%
|
COREIA DO
SUL
|
827
|
643038
|
6,90%
|
PAQUISTAO
|
9362
|
749190
|
8,04%
|
BRASIL
|
4105
|
758030
|
8,13%
|
SENEGAL
|
10890
|
1144410
|
12,28%
|
TAILANDIA
|
17377
|
1814377
|
19,46%
|
VIETNAME
|
18661
|
2618660
|
28,09%
|
TOTAL
|
78573
|
9321414
|
100,00%
|
Fonte:
INE, dados de comércio externo referente ao ano 2009
Conforme se pode constatar na tabela supra, o arroz
“Vietnamita” tem um peso significativo no conjunto dos fornecedores que
abastecem o mercado guineense, representando cerca de 28,09% da transacção
financeira realizada. Por conseguinte, e conforme pode notar na tabela 2 a
seguir, o continente asiático representa cerca de 68,6% da transação realizada,
que em termos financeiros corresponde cerca de 6,4 Bilhões de Fcfa e 52,4 Mil
Toneladas de arroz importado. De acordo com estes dados, tudo leva a crer que,
praticamente, todas as famílias guineenses consomem pelo menos 1 saco de arroz
asiático (5 kg ou mais) e consequentemente 1 kg de arroz produzido no Vietname.
Um dado curioso: de acordo com os dados constantes no
relatório de comércio externo 2009, por mais estranho que pareça, não existe
exportação de mercadorias nacionais para os países como Vietname, Tailândia,
Singapura e Paquistão. Julgo que é de ponderar muito bem as trocas comerciais
com estes parceiros e tentar perceber que oportunidades de negócios poderão ser
desencadeadas com os mesmos. No entanto, voltarei a este assunto no próximo
artigo.
Tabela 2.
Distribuição por Continente
CONTINENTE DE ORIGEM
|
QUANTIDADE (TON)
|
VALOR (10³ XOF)
|
% S/VALOR
|
EUROPA
|
3660
|
400939
|
4,30%
|
ÁFRICA
|
10951
|
1157480
|
12,42%
|
AMÉRICA
|
11506
|
1367677
|
14,67%
|
ÁSIA
|
52456
|
6395318
|
68,61%
|
Total
|
78573
|
9321414
|
100,00%
|
Fonte:
INE, dados de comércio externo referente ao ano 2009
No que refere à dependência deste produto do País de
origem, no conjunto de parceiros africanos, Senegal representa cerca de 12,42%
do valor transacionado, ou seja revela-se uma forte presença comercial face à
necessidade do País, perfazendo assim cerca de 1,1 bilhões de Fcfa do montante
transacionado. Este País é só o terceiro fornecedor do arroz à Guiné-Bissau.
Por uma questão de seriedade na análise e, também, no
sentido de se proceder um enquadramento lógico e coerente da articulação das
políticas de importação deste produto, com o papel desempenhado pelo governo
guineense, procederei a ligação ao documento que se denomina Plano Nacional de
Investimento Agrário (PNIA), lançado em Abril de 2009 no quadro da Política
Agrícola Comum da CEDEAO. Uma das razões que me leva a fazer esta articulação
tem a ver com o propósito do plano atrás referido que prevê que a Guiné-Bissau
deverá conseguir a sua soberania alimentar em termos de arroz como alimento
básico da população.
O Plano Nacional de Investimento Agrário (PNIA)[4] é uma ferramenta que irá contribuir
para a aplicação na Guiné-Bissau, da Política Agrícola Comum da CEDEAO. É um
plano desenhado para 15 anos. Os custos para o seu desenvolvimento estimam-se
em cerca de 152,5 Bilhões de Fcfa. Elege seis grandes temas, a seguir
identificados, como eixos para a redução da pobreza e da insegurança alimentar:
1. Promoção das Fileiras de
Produção Vegetal
2. Promoção da Produção Animal
3. Promoção da Produção
Haliêutica
4. Gestão Durável dos Recursos
Naturais (água, solos e florestas)
5. Pesquisa e Desenvolvimento
Agrícolas
6. Reforço Institucional e
Coordenação Sectorial
De acordo com o documento, este plano inscreve-se numa
perspetiva de longo prazo, dividido em três fases sucessivas de cinco anos
cada. A Fase 1 (2011-2015) concentra-se na criação ou reabilitação de
estruturas e infraestruturas de apoio à produção.
Na Fase 2 (2016-2021) as prioridades serão consagradas ao
reforço e a consolidação de iniciativas e dos investimentos privados, ao
desenvolvimento e consolidação de cooperativas, de organizações camponesas e
instituições de micro-finanças. Nesta fase as condições serão criadas para
impulsionar a economia rural. Prevê-se que no final desta fase, a Guiné-Bissau
deverá conseguir a sua soberania alimentar em termos de arroz como alimento
básico da população.
Por último, a fase 3 (2021-2025) será uma fase baseada no
reforço e na consolidação da integração comercial ao nível regional,
sub-regional e internacional. No final desta fase, as fontes de renda para os
agricultores serão diversificadas, graças ao desenvolvimento da
comercialização. A poupança rural será substancialmente aumentada e as
instituições de micro-finanças operacionais. Prevê-se que no final desta fase a
Guiné-Bissau deverá conseguir o desenvolvimento de fluxos de exportação de
produtos alimentares (incluindo o arroz) para fornecer certos mercados
regionais deficitários.
No entanto, no que se refere ao desenvolvimento da
fileira das culturas alimentares, onde também está inserido a produção de
arroz, base de análise deste pequeno ensaio, que se enquadra na fileira de
produção vegetal, o investimento previsto estima-se em cerca de 24,1 Bilhões de
Fcfa, representando assim 15,8% do total do investimento do PNIA. Os objetivos
quantitativos previstos no programa de investimento produtivo da cultura alimentar
“arroz” é de cerca de 300 Mil Toneladas em 2015 que beneficiará cerca de 112
Mil famílias. Efetivamente, não se duvida da bondade do Plano.
Porém, se olharmos para o Orçamento Geral do Estado
Guineense nos últimos três anos (2009, 2010 e 2011), os investimentos previstos
para o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural, um dos sectores
essenciais para o desenvolvimento do País, tem um peso pouco significativo em
termos do PIB e do Plano de Investimento Público. A tabela 3 e 4 seguintes demonstram
bem essa tendência:
Tabela 3.
Orçamento Geral do Estado
(Valores em Bilhões Fcfa)
Descrição
|
2009[5]
|
2010[6]
|
2011[7]
|
Orçamento
Geral do Estado
|
143,5
|
121,1
|
101,9
|
Ministério da agricultura
(Programa de Investimento Público)
|
6,8
|
6,7
|
4,4
|
Fontes:
Orçamento Gerais do Estado 2009, 2010 e 2011
Tabela 4.
Investimento em % do OGE e PIB
(Em % OGE e PIB)
Ministério
da Agricultura
|
2009
|
2010
|
2011
|
|||
OGE
|
PIB
|
OGE
|
PIB
|
OGE
|
PIB
|
|
Investimento previsto
|
4,7%
|
0,24%
|
5,6%
|
0,63%
|
12,5%
|
0,24%
|
Fontes:
Orçamento Gerais do Estado 2009, 2010 e 2011
Pese embora não constar, de uma forma clara e específica,
nos Orçamentos Gerais do Estado atrás referidos, os investimentos públicos que
consubstanciam a política de produção do arroz, conforme consta do Plano Nacional
de Investimento Agrário, tudo indica que os montantes previstos, e no caso de
estarem a ser executados, serão insuficientes perante os objetivos que se
pretendem alcançar.
Ora, no meu entender, julgo que deverão ser aprovadas
medidas mais concretas, durante a fase que precede a elaboração dos Orçamentos
Gerais do Estado, que estimulem a iniciativa privada e fomento desta prática
como objetivo primordial de sustentabilidade agrícola nos próximos anos. Isto
porque, e de acordo com os dados do comércio externo, fomentando as iniciativas
privadas com forte componente do investimento público e parcerias
internacionais, poderá devolver ao País a sua autonomia na produção do arroz,
indo assim de encontro aos objetivos previstos no PNIA e também na redução do
seu défice comercial global em cerca de 50%.
Luís Vicente
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