domingo, 9 de setembro de 2018

RISPITO.COM ENTREVISTA ALIU S CASSAMA NA RRO


No ambito da continua necessidade de partilhar ideias e as realidades da Guiné-Bissau, o espaço Rispito.com convidou mais um cidadão nacional, que está fora das moldes politicas, economista de formação e que opera no setor da banca guineense, para uma entrevista.

Aliu Soares Cassama, um alto funcionário do Banco Orabank de Bissau onde desempenha funções de responsavel do risco operacional desse mesmo Banco.
Uma entrevista que não só pode ser lida no Rispito.com, como também pode ser vista e ouvida no youtube, bastando por isso clicar aqui


Rispito.com - Que apreciação faz do sistema bancário guineense?

Aliu Soares Cassama - Começo por dizer brigado Samba Bari, pelo convite, mas antes de lhe responder gostaria de definir rapidamente o que é um Banco, pois não se pode fazer entrevista sobre a banca sem esclarecer aos ouvintes o que é um Banco
Um Banco não é nada mais do que uma instituição financeira que de um lado administra o dinheiro que os seus clientes deixam em custodia e por outro lado utiliza esse mesmo dinheiro para emprestar pessoas físicas ou empresas aplicando-lhes juros e ganhar lucros denomino spret-bancário.  E a diferença é que os bancos pagam na captação de recursos o que eles cobram ao conceder empréstimo à pessoa física ou jurídica.
Indo concretamente a sua questão, eu diria que o sistema bancaria guineense apesar de todas as dificuldades que tem deparado, está em crescimento numa margem de progressão enorme em todos os níveis, tanto na captação de novos clientes como a nível de desenvolvimento de novos produtos e serviços, assim como também ao nível do desenvolvimento de supervisão bancaria feita pelas duas instituições fortes, estou-me a referir de BECEAO e a comissão bancaria da UEMOA (entidade que regula o sector bancário) neste espaço que a a Guiné-Bissau também faz parte.
Eu penso que a situação bancário hoje está bem melhor, com entrada de novos plyers, no mercado guineense, nomeadamente ORABANK e o recém chegado Banco Atlantique. Isso mostra que ainda alguns Bancos da sub-região podarão entrar no nosso mercado em breve trecho.
No computo geral, o sistema bancário guineense está a evoluir muito bem.

Rispito.com - O que é necessário fazer para dar a sustentabilidade ao sector bancário?

ASC - É preciso muita coisa... Pelo que começaria de abordar a essa nossa instabilidade politica que é a questão basilar. Porque sem estabilidade politica não há investimento. Não havendo investimento, não há dinheiro e não havendo crédito não há financiamento.
Também temos que resolver o problema de crédito mal parado (que é um cancro no nosso sistema bancário) pois afecta a carteira dos Bancos. Sendo que esta questão por si só não se resolve sem uma intervenção do Estado.
Uma outra questão, eu sugeria criação de fundos de garantia, uma vez que os Bancos estão numa situação tanto quanto vulnerável e tornar operacional algumas medidas sobre setor informal tornando-o formal.
Também posso frisar a necessidade de capacitação de funcionários bancários e criarem condições para que ao chegar os produtos bancários possam lidar com eles em melhores condições em termos  de qualidades e em serviços de operação. Dai iremos passar imagem solida e de confiança  à toda a população, assim como à todos os potenciais clientes.
Desta forma poderemos fazer entrar no sistema cada vez mais o numero de população, por ter dado uma margem de progressão enorme, numa taxa de bancanização que ronda a 12 por cento (que é fraco em relação a alguns países de UEMOA).


Rispito.com - O sector bancário esta preparado por um novo ciclo de vida do pais, eventualmente com menor investimento público?

ASC - Acho que sim... acho que sim. Não obstante com muitas dificuldades, mas estamos preparados porque até aqui os Bancos não têm tido o problema de liquidez... Os Bancos têm dinheiro. O país apresenta um rácio de liquidez satisfatório em relação a normas existentes. 
As  poupanças são bastante baixas tendo em contra o rendimento de funcionários publico que não tem uma remuneração satisfatória. Mas de modo geral, com muita engenharia e esforços vamos lá chegar.
É preciso haver investimento publico-privado para intermediar essas operações que também poderá contribuir muita no crescimento da nossa economia.
Também o Estado tem que ajudar o setor privado que está muito fragmentado. Porque não existe relação boa entre o Estado e o setor privado. Todos esses fatores contribuem para o insucesso em termos de crescimento do setor bancário guineense.

Rispito.com - A camada mais baixa da população tem-se agora familiarizado com os Bancos?

ASC - Sim, Sim. Desde que se começou com o processo de bancanização dos salários dos funcionários públicos, os Bancos passaram a ter uma relação amigável com a população. Por exemplo, uma empregada de limpeza do Ministério da Justiça é obrigada ater uma conta bancaria para poder receber o seu salário.
Essa relação de bancanização dos salários levou a familiarização com os bancos, habilitando os funcionários com cartões Multibanco, de saberem preencher um cheque bancário e transacções online.

Rispito.com - Como é que está níveis de morosidade e a magnitude do crédito mal-parado ou incobrável do sector bancário guineense?

ASC - O problemática do credito mal parado é um cancro que afeta os cinco Bancos a operar na Guiné.
Os dados oficiais apontam que o credito mal parado ou vencido, poderá representar 31%  de todo o credito consedido.
Uma outra questão, tem a ver com a morosidade da nossa justiça. Todos nós sabemos em que país estamos... e o nível de justiça que temos. Uma justiça totalmente politizada.
O credito mal parado hoje na Guiné-Bissau ronda a volta de vinte e oito mil milhões de franco CFA que corresponde a quarenta e três milhões de euros. Razões pelas quais, os Bancos agora passam utilizar "critérios rígidos" para o acesso ao crédito e também praticam o critérios de juros altos (juros que rondam a volta de onze à doze por cento) que acabam por prejudicar os clientes que vão ao Banco pedir crédito para satisfazer suas necessidades básicas.

Rispito.com - Qual é o seu comentário em relação a tão falado resgate a dois dos bancos da nossa praça, refiro-me ao BAO e o BDU. Um caso  onde a  responsabilidade parece não estar diretamente imputada a ninguém?

ASC - Relativamente a esta questão, eu não vou-lhe responder como politico, mas sim
como bancário, economista e como um estudioso no setor da banca.
Mas antes de mais é preciso enquadrar esta questão de resgate dentro do contexto em que ele foi feito. E para começar é preciso re-precisar o termo resgate. Alias, resgate é uma operação em que um Estado ajuda um Banco com fundo publico. O que significa que o Estado pega no dinheiro dos contribuintes e injecta-lo no Banco para salvar o referido Banco no seu estado de insolvência, ou de superar a sua dificuldade financeira.
Certo é que neste caso, não foi exactamente o que aconteceu nesses dois Bancos. Por isso, essa palavra de resgate acabar por não abarcar com precisão a própria natureza da operação. Isso quer dizer que, os dois Bancos BAO (maior Banco comercial da Guiné-Bissau em termos de clientela e de total balaço) e o Banco da União estivessem insolventes. Esses Bancos tinham dinheiro, porque a comissão bancaria tinham normas que interditam os bancos a continuarem a dar créditos. Se a carteira de credito mal para tiver rácio elevado os Bancos estavam numa situação problemática porque tinha liquidez, só que tinham uma carteira elevada de credito mal parado. Portanto a comissão bancaria proibiu esses Bancos a continuidade de darem créditos, o que levou esses Bancos numa situação de paralisia total.
O paradoxo era que, se esses Bancos não tivessem dinheiro, o que não é o caso. Esses Bancos tinham dinheiro, queriam até financiar a economia só que não podiam. Então, a operação constituiu em que foram os próprios Bancos a propuserem o governo o mecanismo que poderiam ser utilizado para solucionar esse problema.
E os Bancos disseram que "nós tamos dinheiro embora não podemos já mais conceder empréstimos devido a nossa elevada carteira de credito mal parado". Mas se o Estado comprar esta divida, liberta-nos desta carteira de credito mal parado e nós passamos a relançar a economia. Mas como o Estado também não tinha dinheiro para comprar, nós podemos dar o empréstimo ao próprio Estado porque nós temos dinheiro. Ao chegarem de acordos nessa operação BAO e BDU deram empréstimo ao Estado, o que serviu para limpar a carteira dos devedores. E partir daí, o Estado passou a ser devedor desses  dois Bancos e os devedores dos Bancos passaram a ser devedores do Estado. E então, o Estado mandatou ainda esses dois Bancos a trás dos devedores para irem recuperar os créditos.
Portanto, isso passou a ser uma dupla operação: Uma operação de empréstimo e uma operação de compra de carteira de credito.
Daí que eu lhe disse que o termo resgate está um pouco desenquadrada dessa definição genérica do resgate. Um exemplo típico de resgate foi nos Estado Unidos em 2008 onde o governo entrou com fundo publico directamente para salvar insolvência. O que não é o caso na Guiné-Bissau.
O que se efetou foi uma operação meramente contabilística que ganhou contorno politico fortemente especulada.
Agora o caso está na alçada de justiça a correr trâmites processuais legais. Nós cá, só estamos a emitir uma simples opinião técnica.

Rispito.com - Na sua opinião quais são os indicadores ou segmentos que considera mais determinantes para assegurar o crescimento e estabilidade de negócios da banca na Guiné-Bissau?

ASC - Penso que devemos continuar com esforços na captação de recursos dos clientes, maior comunicação com a nossa clientela para perceberem quais são os nossos produtos e serviços, como é que  eles funcionam, quais são as suas vantagens nas nossas vidas. 
O reforço também de capital, ou seja dos fundos próprios dos Bancos através de aumento dos capitais, dando os Bancos os recuros de maiores maturidades. Isso permite que os Bancos possam intervir com maior volume no que diz respeito a economia.
Também penso que a estabilidade politica, a justiça e as reformas são importantes. E de salientar também que as infraestruturas, comunicação, energia, esses elementos devem ser tratados para que a situação de modo geral se melhore e o sistema bancário evolua.

Rispito.com - Tudo o que UEMOA tem-se materializado para a zona está sendo bem executado também na Guiné?

ASC - Eu diria que sim, mas com muita reserva... devido a nossa instabilidade politica.
A titulo de exemplo, há vários tipos de projetos de desenvolvimento comunitários que estão praticamente nos restantes sete países da união, mas que não estão na Guiné devido a nossa instabilidade politica.
Na Guiné-Bissau a presença do sistema financeiro que se chama SSD ainda é muita fraca. 
No país existe seis empresas de micro-credito que trabalha no âmbito de sistema financeiro descentralizado. 
No espaço UEMOA existem 126 Bancos, e dentro desse numero total só cinco Bancos é que tiveram coragem de trazerem os seus ativos na Guiné-Bissau.
Ainda temos outra situação de livre circulação de pessoas e bens. Porque recentemente tivemos um caso na nossa fronteira com o Senegal, onde as nossas "Bideiras" são facturadas contagens elevadíssimas. São questões que o nosso Estado tem que rever para que possamos estar numa posição de convergência para com os nossos parceiros da zona económica.
Portanto, nos temos que mudar de comportamento, temos que ter estabilidade politica como nosso espelho, porque sem ela não podemos crescer nem andar a frente ou estar numa posição de convergência na igualdade circunstancia com os outros países da união.

Rispito.com - Na Guiné-Bissau, houve uma experiência de politica de crédito ao desenvolvimento (BCN) que foi, globalmente, negativa quer pelos seus efeitos,quer pelos principios que nortearam a concessão. Hoje, dizem, os que beneficiaram desse crédito eram pessoas afastadas do espirito e do exercicio da atividade empresarial. 
Alinha com essa afirmação ou tens ideia contraria e porque?

ASC - Bom, relativamente a esta questão,  estamos a falar da época em que tínhamos um regime único. Nesta altura, tanto a politica monetária como a politica orçamental eram tomadas pelo governo central. E daí, qualquer autorização que chegava ao Banco era acatada sem ver os riscos, a capacidade do reembolso dos clientes, a provisão que poderia ser constituída em caso de incumprimento.
Não havia normas providenciais, não havia comissão bancaria para fiscalizar a carteira de credito tóxico ou créditos sujos. Toda essa situação contribuiu para o insucesso.
Mas agora isso não acontece, depois da nossa adesão a zona de UEMOA. Nosso país é agora fortemente fiscalizada e está sujeito as normas internacionais bancarias. 
Portanto, como dantes não tínhamos entidade que fiscalizava as nossas ações, sobretudo no setor bancário, onde o credito era concedido de torta a direita, não havia rigor nem prestação de contas, foram as razões que trouxe muitos problemas na concessão do créditos.
Mas agora com as normas providenciais que devem ser respeitadas o nosso país está fortemente fiscalizada em função de duas entidades, Banco Central dos Estados de África Ocidental e a Comissão bancaria, entidade que regula o setor bancário no espaço UEMOA.

Rispito.com - Como é que os PME's sobrevivem na G-B? 

ASC - Fiz uma investigação neste domínio quase de três meses, a conclusão a que cheguei
é que as Pequenas e Medias Empresas enfrentam vários problemas na Guiné-Bissau, nomeadamente, como disseste e bem, a falta de contabilidade organizada, empresas não gostam de prestar as contas, insuficiência de garantias, ou seja quando as empresas vão aos Bancos não apresentam garantias; fraca capacidade de gestão empresarial; ou seja, um manager que dirige uma empresa muitos nem noção básica do que é a gestão empresarial; debilidade na estruturação do plano de negócio e entre outras limitações.
Razão pela qual essa relação é ambi-valente com o Banco. Querendo isso dizer que, os Bancos e as Empresas se necessitam mutuamente, mas se olham uns aos outros com muitas desconfianças e acusações. Onde as empresas alegam que os Bancos concentram seus financiamentos nos particulares sem estrutura financeira, enquanto que os Bancos encontram seu ponto de interrogação mediante os elementos supracitados, nomeadamente na falta de contabilidade organizada, insuficiência de garantias, fraca capacidade de gestão empresarial e etc.
Recorda-se que na Guiné-Bissau existem 3.300 empresas legalizadas. Sendo 284 em sociedade anónima e 3.051 de sociedade anónima de responsabilidade limitada.
Portanto, essas empresas se tivessem todos os requisitos exigidos pelos Bancos, obviamente que teriam financiamentos para poderem desenvolver as suas atividades.


Rispito.com - Por palavras simples consegue-nos fazer entender o que é risco Operacional e risco de Mercado)?

ASC - So uma retificação. Eu não sou responsável do risco, mas responsável do risco operacional no Banco onde eu trabalho, Orabank.
Indo para a sua pergunta, depois de entrada em vigor do acordo de Basileia (uma cidade na Suiça onde as grandes decisões bancárias são tomadas) assenta sobretudo em três pilares:
Primeiro pilar, tem a ver com requisitos de capital para o risco do credito; o segundo tem a ver com o risco do mercado e o terceiro tem a ver com o risco operacional.
Quer isso dizer que, logo após a entrada em vigor desse acordo de Basileia II e III, os Bancos da sub região da UEMOA foram obrigados a criarem o serviço de risco operacional e o risco do mercado.
Portanto, como sabe que o risco existe em todos os passos da nossa vida. E a actividade bancaria pela sua natureza especifica implica a exposição da instituição a diversos tipos de riscos.
E para esclarecer a sua questão, o risco operacional pelas palavras simples, significa tudo aquilo que está a associado a perda decorrente de processos vitimas, inadequados pelas pessoas ou pelos ventos externos. É perceptivel que a complexidade das normas para a gestão dos Bancos exige mudanças internas essencialmente na qualificação dos recursos hoje disponiveis, razões pelas quais o acordo de Basileia contemple o risco operacional. Os riscos são frequentes e que podemos ser surpreendidos a qualquer momento pelo ventos e mares.
Portanto como Banco Central europeu e a reserva federal Alemã consideram Guine-Bissau como um país de alto risco, isso levou com que os niveis de risco aumentassem e esses têm que ser mitigados, ou seja, suavizados a bem do país.
E quanto ao risco do mercado esse abarca todos os riscos que incidem sobre o investimento. O risco macro-economico, o mais perceptível aos olhos do investidor. Razões pelos quais a tipificação desses aspetos de riscos vaão ser muito interessantes para o mercado guineense nesta mudança. Quando falo de risco do mercado, estou falar de diferentes situações tais como, mudanças politicas (Guiné-Bissau tem muita vunerabilidade em mudanças politicas, quase de 3 em 3 meses), vulnerabilidades de ataques  terroristas e guerras. 
Portanto são situações que influencia muito o mercado e Guiné-Bissau como um estado fraco é muito vulneravel. Alias tudo o que prevê o risco do mercado encaixa bem com o perfil do nosso país, de modo que temos de inventer o cenário para podermos ter um mercado atrativo para os investidores.

Rispito.com - As minhas perguntas acabam ai, contudo se tiver alguma ideia complementar ou uma abordagem pertinente a fazer, microfone está ao seu dispor.

ASC - Todas as perguntas que me fez foram pertinentes e eintressantes, só me resta a agradecer a si e o espaço Rispito.com pela convite e a oportunidade dessa entrevista.
Muito obrigado.

1 comentário:

  1. Excelente artigo.
    Fiquei um pouco mais lúcido... sobre o "resgate".
    Faltou talvez a pergunta necessária: Como o cidadão comum pode contrair empréstimo.
    - Empréstimo individual
    - Empréstimo comercial (PMES)

    Talvez ainda possa haver nova entrevista para entrar nesse campo do empréstimo, com detalhes de como o cidadão pode obter esses tipos de empréstimo.

    Seria interessante e objectivo para os cidadãos.

    ResponderEliminar

ATENÇÃO!
Considerando o respeito pala diversidade, e a liberdade individual de opinião, agradeço que os comentários sejam seguidores da ética deontológica de respeito. Em que todas as pronuncias expressas por escrita não sejam viciadas de insultos, de difamações,de injúrias ou de calunias.
Paute num comentário moderado e educado, sob pena de nao sair em público