África deve rever completamente acordos de comércio e das migrações
Alguns países africanos já estão a aplicar a nova taxa de 0,2% sobre produtos importados e a ratificar o acordo sobre a Zona de Livre Comércio Continental em África que permita o auto-financiamento da União Africana.
O economista e sociólogo guineense Carlos Lopes, um dos especialistas convidados para proceder a reforma da União Africana pelo Presidente em exercício da organização continental, Paul Kagame e Presidente do Ruanda, recomenda que os acordos sobre migrações e comércio do continente africano com os seus parceiros sejam “completamente revistos” para que a África possa obter melhores resultados.
O antigo secretário executivo da Comissão Económica para África (CEA) das Nações Unidas, defende, por outro lado, que os africanos devem conceber estratégias mais assertivas na defesa dos seus interesses e negociar da melhor forma possível com os parceiros.
“Os processos desses acordos têm pontos de tensão, como é a questão das migrações e do comércio que precisam de ser revistos completamente. Nós precisamos de uma nova atitude da parte dos parceiros, mas também nós mesmos africanos temos que ter uma nova atitudes em relação à forma como negociamos parecerias para podermos ser mais estratégicos e obter melhores resultados.”
Reformas para garantir independência financeira da UA
Uma equipa de economistas africanos apresentou na cimeira dos chefes de Estado, em Julho, um relatório com propostas para a implementação de reformas institucionais no seio da União Africana (UA). O documento destaca problemas de financiamento que provocam a dependência externa da organização, a forma como são selecionados e recrutados os quadros para a organização que melhore a eficiência e questões relacionadas com o funcionamento mais integrado da CEA.
Em entrevista exclusiva à DW África (11.10), Carlos Lopes adianta que neste momento 23 Estados africanos já estão na fase de implementação da taxa de 0,2% sobre os produtos importados enquanto outros 13 já estão a recolher os benefícios desta decisão.
“Nós trabalhamos muito esta questão financeira porque achamos que é muito importante que a União Africana possa ter a sua independência, mas para chegar a esse ponto, nós temos que contar com a participação dos Estados: Existem já bastantes que estão a implementar a nova medida de taxar em 0,2% sobre os produtos importados de fora do continente, mas ainda não são todos. Também tínhamos previsto que isto duraria dois anos a implementar. Portanto, estamos esperançosos que vamos chegar a esse resultado que vai provocar um nível de independência jamais visto na União Africana.”
Aplicação da taxa 0,2%
Entretanto, alguns países continuam a ter dificuldades na implementação dessas reformas, por não saberem ainda como aplicá-las de acordo com as suas respetivas Constituições e outras leis nacionais. Mas também há países que têm criticado a forma como é proposta a aplicação da taxa de 0,2%, que segundo eles é contrária às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Carlos Lopes diz que a equipa conhecida por "Unidade de Reforma", tem uma opinião diferente.
“O facto de termos feito o orçamento em função das despesas administrativas que seriam financiadas com esta taxa 100% pelos africanos, os programas de desenvolvimento da União que seriam financiadas à 75% e as atividades no domínio da paz e segurança que seriam financiadas cerca de 25%, mostra que o trabalho de casa foi feito e portanto, nós sabemos exactamente quais são os montantes necessários e daí termos chegado ao número 0,2%.”
A Zona de Livre Comércio Continental (ZLEC) em África, criado há 3 anos e que representa um mercado de mais de 1,2 mil milhões de pessoas em África, só foi assumido pelos Estados membros da UA, em março último, faltando ainda sua ratificação.
Dinamizar trocas comerciais entre africanos
Carlos Lopes considera o projeto ZLEC como sendo um programa regional ambicioso e acrescenta que: "evidentemente toda a gente está com os olhos postos na capacidade de implementação dos africanos de um projeto dessa dimensão. Foi lançado há três anos, na altura ninguém pensava que se poderia assinar em 2018, como aconteceu em março, agora muitos duvidam que vai ser ratificado a tempo, eu acredito que vai ser. A dinâmica está aí e as pessoas estão muito mobilizadas. Há uma diferença importante de atitude em relação a estes projectos regionais nos últimos anos.”
Segundo o economista guineense, os promotores da iniciativa tiveram em conta as limitações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da União Europeia (UE) para criar um "grande mercado" que permita desenvolver as trocas comerciais entre os 55 Estados membros da UA, sendo esta uma forma do continente emancipar-se das antigas potências coloniais e da China, dinamizando em paralelo, uma indústria que considera ainda "balbuciante".
Para Carlos Lopes, África, desde a criação da sua organização continental em 1963, deu prioridade às questões políticas, deixando de lado o plano económico e, apesar da existência das zonas monetárias do Franco CFA ou do Rand, as trocas comerciais dominantes ficaram nas mãos de outros continentes, com as "consequentes perdas de oportunidades comerciais".
Rispito.com/DW, 12-10-2018
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