Eu acho que….!
Se existe um ponto na agenda política atual que preocupa os guineenses de boa vontade, e sobre o qual todos estão em perfeita sintonia, é a inevitabilidade da questão da inclusão, mesmo sabendo que ela constitui simultaneamente um pomo de discórdia, porquanto as modalidades em que ela deve assentar divergem consoante os diversos pontos de vista e de interesses.
Se existe um ponto na agenda política atual que preocupa os guineenses de boa vontade, e sobre o qual todos estão em perfeita sintonia, é a inevitabilidade da questão da inclusão, mesmo sabendo que ela constitui simultaneamente um pomo de discórdia, porquanto as modalidades em que ela deve assentar divergem consoante os diversos pontos de vista e de interesses.
A bondade de uma
governação inclusiva é indiscutível, mais ainda na situação em
que o país se encontra. Se até aqui era necessário avançar sem
esperar pela direção do PAIGC, que voluntariamente se colocou fora
do processo, algum abrandamento terá que ser feito pelos
responsáveis de transição, não apenas para acomodar outras
diversas correntes a fim de atenuar as clivagens que não têm
permitido o país avançar, mas também para uma reorientação
estrutural e estratégica que permita melhorar a performance do
processo.
Digo bem melhorar e não
modificar. Porque esta modalidade assentaria em pressupostos que não
estão previstos no Acordo e no Pacto Político que selaram e
consolidaram a paz e a estabilidade ao longo da primeira metade de
transição, algo nunca antes conseguido com nenhum governo de
mandato eleitoral. E por consequência significaria o inevitável
regresso à estaca zero, que é precisamente o que pretendem alguns
independentistas, para melhor servir os seus interesses e não os do
povo guineense, como aliás tem sido sua prática ao longo dos
últimos 39 anos da existência deste Estado.
O nível da dinâmica do
processo, nomeadamente o pouco envolvimento da comunidade
internacional financiadora das eleições, indica que a transição
deverá prolongar-se por algum tempo. Ora, esse prolongamento não se
pode fazer sem também tomar em conta a nova realidade, que é a
disponibilidade do PAIGC em integrar o processo e viabilizar a
aprovação de alguns diplomas importantes para a conclusão do
processo, e até reforçar a legitimidade do atual poder.
O Partido que se pretende
que seja incluído está suficientemente representado nas estruturas
de transição, a começar pela Presidência da República, pelo
Governo e pela própria ANP, onde mantém os seus lugares na Mesa. A
verdade é que o PAIGC e a CPLP não reconhecem os militantes do
PAIGC que estão nas estruturas de transição.
Mas como poderia o futuro
de um país depender da solução de uma crise interna de um partido
cujos militantes se encontram desavindos?
A ser de admitir a
hipótese de inclusão tal como pretendida pela CPLP e uma fação da
direção do PAIGC, qual seria o destino dos atuais militantes desse
partido que estão nas estruturas de transição?
Seriam demitidos e
substituídos por outros camaradas do mesmo partido?
Ou seriam mantidos e os
da oposição afastados?
E se amanhã houver
mudanças na direção do partido, vamos também voltar a modificar
as estruturas de transição?
E se tivermos que aplicar
à risca o retorno ao status quo ante, não deveríamos recuar
um pouco para trás, devolvendo o poder àqueles que também foram
vítimas de golpes de Estado, mas que em nome do patriotismo e da
preservação da paz, souberam fazer cedências?
Na minha modesta
perspetiva, e face ao entendimento geral de que a ninguém interessa
que o país entre em guerra, na presente fase da transição, a
inevitável inclusão deve ser vista essencialmente na perspetiva de
uma remodelação governamental.
Qualquer mexida no
governo serve para prosseguir certos interesses, nomeadamente
sancionar governantes com menor desempenho, premiar os melhores,
acomodar interesses partidários e eleitoralistas, e sobretudo,
aproveitar novas oportunidades para melhorar a eficácia da ação
governativa, e porque não aproveitar a disponibilidade do PAIGC para
acelerar o regresso dos parceiros internacionais.
Como não há bela sem
senão, este cenário comporta riscos. Dado que uma eventual
remodelação deveria ser focalizada na inclusão do PAIGC, também
aqui torna-se prudente questionar a grandeza da dificuldade em gerir
a eventualidade de um inevitável disfuncionamento do governo por
causa de membros com agendas pessoais e partidárias incompatíveis
com o que se pretende com a remodelação. Desde logo, por causa da
evidência de um partido em queda livre, esfrangalhado por interesses
repartidos em pelo menos 10 candidaturas para a sua presidência em
congresso próximo.
O Papel da CPLP
A Guiné-Bissau é membro
efetivo da CPLP, organização na qual participou na sua criação, e
mantém-se fiel aos ideais que presidiram à sua criação. Trata-se
de uma organização de tipo clássico, onde os Estados membros agem
em coordenação, e não em subordinação. A sua vocação é
meramente linguística e cultural, sem componente política, por isso
sem vocação para resolução de litígios de natureza eminentemente
políticas, como é o caso, sobretudo quando existe uma organização
sub-regional com vocação para o efeito, de que é membro efetivo o
Estado onde existe o conflito, no caso, a Guiné-Bissau.
Em nenhum momento o
tratado constitutivo atribui a componente política à CPLP e
competência para mediar litígios sem o acordo ad hoc dos
Estados membros em situação de conflito. E como se isso não
bastasse, a primeira reação da CPLP foi a de requerer a autorização
do uso da força para repor a ordem constitucional como se estivesse
mandatada pelo Governo da Guiné-Bissau para o efeito.
Quando aconteceu o golpe
de Estado, o país esperava apoio dos Governos dos Estados irmãos da
CPLP, no quadro da solidariedade e compreensão que deve animar o
relacionamento entre Estados que partilham laços históricos e
culturais.
A solidariedade, traço
característico e particular da sociedade africana, que os países
africanos, e de tradição africana, como é o caso do Brasil, levam
como contributo para enriquecer a CPLP, ficou fortemente abalada.
E o mais grave é quando
se trata de uma organização que alberga países que têm um
percurso histórico comum com a Guiné-Bissau, e conhecem bem as
dificuldades de estabilizar países que foram forçados a recorrer às
armas para se tornarem independentes, sobretudo quando essa
estabilização tem que ser feita enfrentando fortes forças de
bloqueio provenientes do estrangeiro.
Por outro lado, esses
países amigos deliberadamente esquecem-se que o país ainda carrega
o fardo de ter um passado de 500 anos de administração militar
implantada por um colonialismo serôdio e feroz que deixou marcas
indeléveis na sua história, marcada sobretudo pela militarização
do poder e por um cavado analfabetismo mantido e fomentado.
E no meio desse doloroso
processo de estabilização, a Guiné-Bissau, em vez da solidariedade
da CPLP, organização que supostamente integra países que melhor
conhecem os seus problemas, recebeu como presente a maior guerra
diplomática que alguma vez a organização fez contra um dos seus
Estados membros.
E esta atitude se torna
ainda mais lamentável quando a memória recente nos leva para a
inegável ajuda que valorosos combatentes da liberdade da pátria e
da luta de libertação Nacional da Guiné-Bissau prestaram em
sacrifícios consentidos durante a luta contra o colonialismo
português, para que hoje todos os Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa, incluindo Timor, fossem também livres e
independentes.
Não é compreensível
para o Governo e para o povo guineense que seja apenas a democracia a
motivação da CPLP durante todo este processo. A democracia tem que
ser aferida em todas as vertentes, quer no acesso ao poder, quer no
seu exercício. Não se pode compreender que depois de tantas
atrocidades cometidas no país, e que ainda continuam a ser cometidas
a mando das autoridades depostas, pondo em causa a legitimidade de
exercício democrático, a CPLP só agora acorde, e da pior maneira
para se preocupar com a situação da democracia na Guiné-Bissau.
Ficou evidente que se
dependesse da CPLP, sobretudo de alguns países membros, que tanto
apelaram ao bloqueio deste Governo, o país estaria a viver a pior
situação de penúria de sempre. E mais incompreensível ainda é o
facto de a CPLP, depois de tudo o que fez contra o Governo e contra o
povo da Guiné-Bissau ainda pretenda a inclusão da sua posição na
solução da crise, apresentando propostas que visam reverter tudo o
que o Governo, com os seus vizinhos, conseguiram até aqui, apesar
dos bloqueios que tiveram que enfrentar.
A CPLP reivindica que a
sua posição seja tomada em consideração, no quadro da
implementação da famosa teoria de harmonização de posições. Mas
que posições são essas? O tratado constitutivo da CPLP confere-lhe
algum mandato para reivindicar alguma posição sobre o conflito num
dos Estados membros? O que se sabe desde o golpe é que a CPLP tem
advogado o regresso ao status quo ante, ainda que seja para
recorrer ao uso da força.
Tudo o que a CPLP fez até
aqui tem sido nesse sentido, e foi por causa disso que tudo fez para
que sejam as autoridades depostas a discursarem na Assembleia Geral
da ONU em nome da Guiné-Bissau, mesmo sabendo das eventuais
implicações disso na estabilidade do país e na vida das populações
com as quais diz estar preocupada.
A Guiné-Bissau é membro
da CPLP, e também da Francofonia, organização com a mesma
natureza, mas esta última não reivindica a inclusão da sua posição
na resolução da crise guineense, e nem na da crise maliana, como
comparativamente se podia esperar. E nem podia reivindicar, por não
ser sua vocação, e nem ter mandato nesse sentido.
É profundamente
lamentável a situação de desvio escandaloso aos objetivos da CPLP,
o facto de autoatribuir-se, a título ad hoc, uma missão que
não lhe compete. A organização demonstrou não ter conseguido
resistir à tentação de confundir a sua missão, tal como prevista
no seu tratado constitutivo e no seu direito derivado, com pretensões
geoestratégicas de alguns dos Estados membros.
Pela forma como a crise
foi abordada pela CPLP, é evidente que esta perdeu condições para
assumir um papel de primeira linha no processo de transição. E pelo
comportamento abusivo de alguns Estados membros, também se tornou
evidente que a presidência moçambicana também não terá pernas
para andar neste processo. Mormente quando assumiu o mesmo tom
abusivo e espalhafatoso dos colegas que o antecederam.
E quando assim é, nada
mais do que a CPLP e os seus dirigentes assumirem o falhanço da sua
opção e a sua falta de condições para servir de mediador. Uma mea
culpa daria mais prestígio à CPLP, e talvez terá condições
para desempenhar o seu papel, contribuindo de outra maneira, de forma
como entender pertinente, mas não como mediador.
Victor
Pereira - Jornalista
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