domingo, 25 de maio de 2014

O poder local como fator de estabilização política e alavanca da Nação 

A seguir à estabilização política e social do País importa criar condições de modernização e capacitação institucional do Estado por forma a garantir um desenvolvimento sustentável da Nação.
Tal como a educação, saúde, justiça, segurança, defesa, etc., também a descentralização e o poder local são pilares da consolidação do projeto Nação, daí ser essencial avaliar o processo de criação das autarquias locais no sentido de definir, com coerência e responsabilidade, os centros de decisão e de poder público, conferindo dessa forma maior integridade as políticas públicas desenvolvidas num espaço territorial.

Como expoente máximo de poder público de proximidade, a autarquia local é uma das formas mais nobres de fazer política, ou seja, só com a consolidação das autarquias se atinge o verdadeiro sentimento de pertença a um espaço e a uma comunidade – “sense Of place and sense Of Community". Aliás, creio que com a descentralização de poder e institucionalização das autarquias locais o Estado estará mais próximo do cidadão e garantirá maior oferta de bens públicos. 
Entendo que é importante olhar para as autarquias locais como elementos estruturantes da organização democrática do Estado, pessoas de direito público de base territorial, dotadas de órgãos próprios, baseados no princípio da representatividade democrática, tendo por objetivo a prossecução dos interesses próprios das populações. Em bom rigor, falar do poder local e da municipalidade é falar da importância que o mesmo reveste na articulação de um poder intermédio que tem por função criar condições e respetivas competências nas áreas de provisão de bens públicos, nomeadamente, a rede de saneamento básico e de abastecimento de águas, requalificação urbana, planeamento e ordenamento do território, acessibilidades, mobilidade territorial, educação, ensino básico, creche, jardim-de-infância, centros de saúde, equipamentos culturais, ambiente, desporto, sendo que estas funções podem e devem ser desenvolvidas por municípios e suas associações (juntas de freguesias e associações municipais).
A existência de autarquias locais, sendo estas pessoas coletivas de população e território dotadas de órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses próprios, comuns e específicos das respetivas populações, pode em parte resolver alguns conflitos de poder entre as componentes Estado, administração pública, governo e outros órgãos de soberania.
Certamente existe uma responsabilidade direta dos autarcas eleitos pelos seus concidadãos no espaço territorial que gerem e em que todos vivem e trabalham, daí que o mesmo deve ser observado tendo em conta duas dimensões inquestionáveis de exercício do poder: 1) Dimensão política: território, gentes e dinâmicas económicas e sociais; 2) Dimensão de gestão: instituições, administração e sustentabilidade. 
A conjugação destas duas dimensões visam atingir os seguintes objetivos estratégicos: a) fortalecer o Estado de direito e as suas instituições representativas; b) assegurar um ambiente político e macroeconómico estável; c) promover o desenvolvimento económico e social durável; d) aumentar o nível de desenvolvimento do capital humano do País.
A propósito, talvez falar diretamente da minha experiência como dirigente autárquico, gestor e responsável pela área estratégica, projetos de desenvolvimento e financiamentos de uma autarquia local, torna mais fácil situar a importância da minha tese e defesa na implementação do poder local na Guiné-Bissau, sem querer com isso fazer comparações, tomar partido ou influenciar seja o que for, mas, somente, partilhar a experiência marcante sobre o que é poder local e como o mesmo influencia as nossas vidas. 
Recuo até ao ano de 1998 altura em que fui convidado pelo então presidente do meu município para chefiar o gabinete de projetos especiais do mesmo, desenvolver o plano estratégico do concelho e acompanhar a execução do Quadro Comunitário de Apoio da União Europeia, instrumento financeiro de apoio aos planos de desenvolvimento regional dos Estado-membros. 
Elaborou-se um diagnóstico prospetivo e um quadro conceptual e metodológico, bem como a definição de uma Visão Estratégica para o Município para os próximos 15 anos (documento neste momento encontra-se de novo em atualização face aos objetivos que já foram atingidos nestes últimos anos) que explanava claramente a posição do município e do concelho naquela altura e onde pretendia estar no futuro. 
Nessa altura as prioridades definidas pelo município passavam essencialmente pelo investimento em infraestruturas básicas de saneamento e reforço de abastecimento da água, redes viárias e equipamentos sociais. Os índices eram muito baixos, tanto em termos da taxa de cobertura de saneamento básico como também de abastecimento de águas, concretamente 50% e 42% respetivamente, uma vez que só o centro da cidade é que ainda estava servido e era necessário aumentar a taxa de cobertura no meio rural. 
Decorridos 15 anos, com grande investimento em termos de capital financeiro e humano, infraestruturas básicas e científicas, o município de Rio Maior tornou-se numa cidade moderna com referência mundial nas áreas da Educação, Ensino, Investigação, Desporto, empreendedorismo e centro empresarial de negócios de excelência.
Na verdade, infraestruturou-se o concelho com a rede de saneamento básico e de abastecimento de águas, cujas taxa de cobertura hoje correspondem cerca de 98% e 100% respetivamente; procedeu-se à revisão do plano diretor municipal; defendeu-se um programa estratégico; equipou-se o concelho com centros escolares de topo; revitalizou-se o espaço industrial e criou-se uma área de localização empresarial; negociou-se o parque eólico e rede de energia elétrica; investiu-se em acessibilidades e redes viárias; dotou-se a cidade com bibliotecas, equipamentos sociais e desportivos, creches, jardim-de-infância, centros de dia e lares de idosos, espaços públicos com acessos à internet, escolas apetrechadas com rede informática e tecnológica, etc. 
Tudo foi feito de acordo com a legislação em vigor, com recursos financeiros do orçamento municipal, através de arrecadação / cobrança de receitas, conforme a Lei das Finanças Locais, Fundos Europeus, Fundos de Coesão e Contratos-Programa celebrados com a administração central, transversal a todos os partidos do arco da governação. A foto a seguinte evidencia apenas alguns equipamentos construídos ao longo dos últimos 15 anos.
 Foto: Município de Rio Maior / Montagem: Luís Vicente
O índice de cobertura dos equipamentos sociais públicos, nomeadamente escolas básicas integradas, bibliotecas, lares de idosos, centros de saúde, escola profissional, escola superior, instalações desportivas, etc., eram reduzidos nessa altura, mas hoje o concelho está totalmente dotado de tais equipamentos e com condições acima da média nacional e europeia. 
Por conseguinte, quinze anos depois, uma criança que nasce a certeza de uma creche, jardim-de-infância, ciclo preparatório, ensino básico, secundário, escola profissional e ensino superior. Hoje, um idoso pode optar, caso pretender estar na companhia dos demais da sua idade, por um lar e um centro de dia, se precisar de um médico e de um centro de saúde ou de um hospital tem à sua disposição equipa médica, material e medicamentosa. Já não existem poços ou “fontes”, nem filas enormes para captação da água nas zonais rurais, e o acesso ao centro da cidade tornou-se mais rápido e confortável, tanto para quem desloca em negócios como para colocação dos seus produtos, mercadorias, serviços, etc., atendendo ao grande investimento feito na rede viária concelhia e supraconcelhia. 
Tudo isso acontece num concelho com pouco mais de 272 km2 e com cerca de 21 mil habitantes, onde o maior recurso são as pessoas, o povo, os homens e mulheres que acreditaram numa causa e procuraram cumpri-la com paixão, dedicação e trabalho. 
Na verdade, a falta de visão estratégica e o conceito espacial de alguns decisores públicos, políticos em particular, tendo sobretudo uma identificação pouco precisa dos objetivos claros e coerentes, não conseguem lidar com os processos nem com os fatores críticos de sucesso. Precisam, sobretudo, de encontrar um caminho para se manterem no quadro da competitividade, salvaguardando o bem-estar dos seus povos. Este é o espírito de missão que carateriza um político visionário com capacidade de decisão e determinação, capaz de combinar recursos técnicos, humanos, financeiros, materiais e gestão da informação, colocados à sua disposição e projetar uma visão clara sobre a dinâmica da construção de uma cidade e/ou de um País.
Mas, voltando à questão da Guiné-Bissau e a necessidade de implementação dos municípios e suas associações, gostaria de reforçar a importância que deverá ser dada a este assunto tendo em conta o mecanismo de ajustamento de poderes, atribuição de competências e responsabilidade no quadro de um normativo específico.
Assim, talvez reportando alguns cenários de enquadramento, poderia avançar que, invariavelmente, para se pensar numa possibilidade destas seria bastante importante aflorar alguns pontos que devem ser observados na implementação das autarquias locais, nomeadamente, o Enquadramento Constitucional das Autarquias Locais, a Lei do Financiamento Local e o Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos municípios.
No que concerne à Lei do Financiamento Local, por exemplo, a organização político-administrativa do Estado segundo diferentes níveis de administração poderia prever, em primeiro lugar, uma tão clara quanto possível identificação das competências de cada um deles. A definição dessas funções servirá, posteriormente, para estimar os encargos decorrentes do seu desempenho e decidir quanto às modalidades do seu financiamento. A viabilização, de facto, de qualquer processo de distribuição de competências pelas autarquias locais exige que se lhes atribuam as fontes de financiamento que, de modo estável e previsível, lhes permitam executar as funções que lhes forem cometidas, impliquem elas despesas correntes ou de investimento (também designado por despesas de capital). 
Em boa verdade, as autarquias locais têm como principais fontes de receita a participação nos impostos, as taxas sobre bens e serviços e as subvenções/subsídios/comparticipações. Por exemplo, a matéria relativa aos impostos abrange, em abstrato, o direito a legislar sobre eles, o direito a receber as correspondentes receitas e, por fim, o direito a administrar o processo fiscal, incluindo o domínio da fiscalização. As soluções a adotar poderiam distribuir estas competências por diferentes níveis de administração, concentrá-las num só, ou promover a cooperação e a coordenação entre eles, pelo menos nalguns aspetos. 
Segundo esta ordem de ideias, os impostos geradores de receitas para as autarquias locais podem-se sistematizar em diversos tipos: taxas, impostos próprios, derramas, participações nas receitas fiscais do Estado, subvenções, venda de bens correntes e de investimentos. Todavia, a unidade do sistema fiscal justifica com frequência que a capacidade originária para legislar nesta matéria resida no Estado, o qual, por essa via, fixará os limites dentro dos quais se pode desenvolver a autonomia local.
No entanto, para além da abordagem destes dois campos de atuação como sendo um processo de integração local, é importante também observar os domínios de atuação das autarquias locais tendo em conta a sua proximidade ao cidadão. Assim, é de referir que a Constituição da República Guineense carateriza as autarquias locais como pessoas coletivas territoriais, de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das comunidades locais, não se subtraindo à estrutura unitária do Estado (n.º 2 do art.º 105º CR). 
Entendo, salvo melhor opinião, que é importante considerar, durante esta legislatura que se inicia, a discussão em torno da criação da Lei-quadro das autarquias locais que tenha em conta os poderes e a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, prevendo o exercício de atribuições nos seguintes domínios:
a) Cultura e património histórico;
b) Apoios às atividades produtivas;
c) Educação e formação profissional;
d) Juventude, desporto e tempos livres;
e) Desenvolvimento económico e social;
f) Turismo e desenvolvimento sustentável;
g) Planeamento e ordenamento do território;
h) Equipamento social, redes e vias de comunicação;
i) Rede de abastecimento de água e saneamento básico;
j) Ambiente, conservação da natureza e recursos hídricos.
Dessa forma, o poder local possibilitaria a milhares de guineenses a participação na vida cívica pelo facto de ser um poder de proximidade e não permitir que a democracia seja um privilégio de uma minoria e/ou de uma classe sedeada em Bissau. Assim é que, em parceria, os três agentes pilares fundamentais do desenvolvimento sustentável de uma região (universidades, empresas e sector público e Institucional) ganham a eficácia necessária com a imprescindível criação das autarquias locais. 
Por último, recomendo que se criem condições para uma revisão constitucional que consubstancia a criação: 1) Lei-quadro das Autarquias Locais; 2) Lei Eleitoral das Autarquias Locais; 3) Lei das Finanças Locais; 4) Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios;
Ainda, sugiro que se avance com o projeto-piloto de implementação faseada das autarquias locais em grandes regiões e a sua consolidação em duas legislaturas; Estabelecer o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais; Proceder a elaboração dos estatutos das entidades intermunicipais e o regime jurídico do associativismo autárquico; Estabelecer o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.
Chamo atenção para o facto de este pequeno ensaio poder ser materializado com mais contributos, tais como a proposta de implementação de um senado ou mini camara de representantes constituído por “Sobas, Régulos, Anciões ou Sábios” de todas as etnias, para discussões de grandes temas que têm a ver com as componentes “tradição, usos e costumes” do País, como condição “sine qua non” deste projeto estruturante. Seria muito importante ter isso em conta quando da discussão do processo de criação e implementação do poder local no País e, julgo até, que este é momento oportuno, no quadro da parceria de incidência parlamentar que presentemente está a ser discutida entre os dois grandes partidos.

Lisboa, 22-05-2014.
Luís Vicente
OBS: Todas as opiniões aqui editadas são da inteira responsabilidade do seu titular (autor)


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