sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Discurso de PRT Manuel Serifo Nhamajo na 68ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas

Senhor Presidente da Assembleia Geral,
Senhor Secretário Geral,
Minhas Senhoras, meus senhores

A começar a minha intervenção, permitam-me que felicite Vossa Excelência Dr. John William Ashe como presidente eleito da sexagésima oitava sessão da Assembleia Geral das Nações.

Na sua pessoa, senhor Presidente, quero igualmente saudar o seu país, Antígua e Barbuda, dignificado por este feito notável de ter sido escolhido um dos seus filhos – na pessoa de Vossa Excelência – para, este ano, presidir à mais universal de todas as instituições representativas das Nações do Mundo. Clica para ouvir o discurso completo

Sobre os seus ombros, Senhor Presidente, pesa a responsabilidade enorme de conduzir os trabalhos desta sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, num momento que todos qualificam de muito crítico para a comunidade internacional.

De facto, a realidade com a qual a comunidade internacional se vê confrontada hoje em dia é a realidade de um mundo perturbador: de perigosas tensões geopolíticas globais;

de uma crise financeira e económica – internacional, profunda e abrangente -, como já não se via desde os anos da década de Trinta do século passado. Trata-se de uma crise, cuja intensidade já lançou milhões e milhões de pessoas no desemprego, milhões e milhões de novos pobres espalhados pelo mundo inteiro;

de novos medos, novos perigos e ameaças ao redor do mundo – do terrorismo transnacional, do tráfico de armas e de estupefacientes, de assustadoras tensões inter-religiosas com narrativas que testemunham desfechos muitas vezes sangrentos; 


do regresso brutal aos tempos modernos da pirataria antiga, não apenas ao largo da Somália, mas também ao Golfo da Guiné – ameaçando rotas importantes que encaminham o petróleo para a economia mundial, criando insegurança à marinha mercante internacional, favorecendo a pesca ilícita e todo o tipo de tráfico ilegal que é processado por via marítima – de armas, de seres humanos, de substâncias psicotrópicas;

da persistência de focos de violência interétnica, com registos de enorme sofrimento humano, de manchas aqui e acolá de desastres humanitários inimagináveis.

Senhor Presidente da Assembleia Geral,

Senhor Secretário Geral,

Distintos representantes das Nações do Mundo

Eu venho de um pequeno país, situado no extremo-ocidental da costa de África, um país pobre, mas que não perdeu a esperança de construir, na paz, o progresso a que tem direito.

Acabamos de celebrar, há dois dias apenas, o quadragésimo aniversário da nossa independência nacional – 24 Setembro de 1973 – 24 de Setembro de 2013 – ocasião propícia para, à Vossas Excelências, reafirmar o seguinte: tal como durante toda a sua luta armada de libertação nacional, o povo que estou a representar acreditou nas Nações Unidas, também hoje o povo do meu país reitera que essa sua crença antiga se mantém, e se reforça cada vez mais.

Conquistamos a nossa independência nacional em 1973. De facto, não a recebemos de ninguém. Mas ela só foi possível pela conjugação da solidariedade internacional efectiva de alguns e, finalmente, pelo reconhecimento de todos.

A todos, sem nenhuma excepção, quero em nome da Guiné-Bissau transmitir o sentimento da nossa gratidão eterna, declarar a nossa vontade firme de reforçar laços antigos de amizade, assegurar a nossa disponibilidade para, apesar de tantas vicissitudes, reconstruir as fundações de solidariedade que no passado ligaram nossos povos.

Senhor Presidente da Assembleia Geral,

Senhor Secretário Geral,

Distintos representantes das Nações do Mundo

A pessoa que Vos fala neste preciso momento, subiu a esta tribuna para pedir a vossa paciência, solicitar a vossa compreensão, esperar a vossa solidariedade, alguém que acredita que manifestações de generosidade não são de todo incompatíveis com a fria racionalidade das relações entre Estados soberanos.

Sou Presidente da República de Transição da Guiné-Bissau e, essa designação, como Vossas Excelências bem sabem, transmite algo que é particular, que é excepcional.

Com efeito, os acontecimentos político-militares de 12 de Abril de 2012 criaram uma conjuntura política nova no meu país. Um golpe militar tinha deposto um Presidente da República Interino, e um primeiro-ministro auto-suspenso e lançado numa campanha eleitoral inconclusiva para a presidência da República. Perante uma tal situação, perguntamos, então, que fazer?

Desde logo, várias opções em aberto se punham. Felizmente, a melhor das opções disponíveis na altura, do nosso ponto de vista, é aquela que viria a prevalecer.

Foi possível prevenir derrapagens políticas que, caso tivessem tomado corpo e consistência, o meu país teria entrado numa aventura político-militar de consequências imprevisíveis e, certamente, muito mais graves do que aquelas que, mesmo assim, tivemos de enfrentar e, de certa maneira, ainda estamos a enfrentar.

Foi preciso, pois, circunscrever a dinâmica do golpe militar, controlar os seus efeitos políticos, limitar o seu alcance institucional, e, como se tudo isso não bastasse, tivemos de lidar com duas tomadas de posição contrapostas que se manifestaram quer na frente interna, quer externamente.


Uma delas mostrava-se muito embaraçosa tendo em vista o retorno pacífico à normalidade constitucional no meu país; e a outra – muito mais realista, portanto, bem mais promissora do ponto de vista do restabelecimento progressivo da ordem constitucional.


Tivemos de lidar com essa, digamos assim, primeira tomada de posição, a um tempo, curiosa e dramática. De gente que preferia para a Guiné-Bissau a pior das situações possíveis, e sabem Vossas Excelências por quê? A resposta é esta: apostaram na degradação da situação política no meu país de modo a justificar suas teses, confirmar seus prognósticos, operacionalizar seus conceitos políticos de resolução da crise na Guiné-Bissau. De facto, tentaram por todos os meios aplicar a fórmula de “quanto pior fosse para a Guiné-Bissau, tanto melhor”. Sim, tanto melhor seria efectivamente, mas apenas para os seus interesses. Com essa posição radicalizada, realmente conseguiram atingir quase todas as cordas sensíveis de um povo humilde, mas que dificilmente aceita humilhar-se perante seja quem for.


Somos uma democracia, é verdade, não obstante todos os defeitos, todas as violações da razão democrática do Estado, tantos desvios que nós somos os primeiros a reconhecer.


Mas é bom não esquecer que, primeiro, nós somos um Estado que nasceu depois de “séculos de dor e de esperança”, de uma dura e vitoriosa luta pela independência nacional e, isso, também conta muito na determinação dos valores políticos a defender. 


Para viabilizar a segunda das opções que estavam em cima da mesa, pudemos contar com o realismo e pronta solidariedade da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Bem acompanhada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, a CEDEAO assumiu todas as suas responsabilidades na gestão do acordado Período de Transição, tendo sido constituído para esse efeito, uma reduzida missão militar de estabilização – abreviadamente chamada ECOMIB.


No plano político-constitucional, o parlamento eleito pelo povo guineense – que é a nossa Assembleia Nacional Popular -, manteve-se de pé e, dessa maneira, conseguiu-se dotar a Transição Política de uma base institucional legítima e legitimadora, até porque a Constituição da República não tinha sido declarado suspensa.


Senhor Presidente


Senhor Secretário Geral


Minhas Senhoras e meus Senhores


Foi assim que o Presidente da República de Transição surgiu. Não veio propriamente de um golpe militar. Veio, isso sim, de um Parlamento eleito, portanto, de um processo políticos institucionais, o que bem vistas as coisas, faz muita diferença.


Na minha pessoa estavam reunidas a condição de deputado nacional eleito sucessivamente durante quatro legislaturas, e, também a condição de primeiro vice-presidente daquele órgão de soberania -, enfim, passe a imodéstia, eu sou um democrata por convicção amadurecida, que nunca foi golpista, nem mandante de acções golpistas.


Com efeito, com o empolamento do Presidente da República de Transição dera-se início ao processo de Transição Política bem entendido.


Passado algum tempo, o parlamento eleito aprovou um Pacto de Transição e o respectivo Acordo Político revistos, assim como aprovaria depois o Programa e o Orçamento Geral do Estado de um Governo de base política alargada que, na minha qualidade de Presidente da República de Transição, nomeei e dei posse por decreto presidencial.


Com esses passos que foram dados, a Transição Política, de facto, entrou no bom caminho. O que resta – e não é pouco – é garantir o financiamento de um processo eleitoral que se quer eficaz e transparente, cujo pressuposto base é, como se sabe, o estabelecimento de cadernos eleitorais fiáveis, algo que só se consegue por via de um bom recenseamento ou registo eleitoral. É este o ponto de situação da Transição política na Guiné-Bissau.


Minhas Senhoras, meus senhores,


A Guiné-Bissau é vítima de dois males dramaticamente interligados: a pobreza e a instabilidade política. Na verdade, a pobreza cria, numa sociedade como a do meu país, a propensão para a instabilidade política; da mesma maneira que a instabilidade política, pelo impacto que tem na ordem económica, afecta negativamente o desempenho económico do país, fazendo, assim, cair as taxas de crescimento e, por consequência, fazendo subir também os índices de pobreza.


Os desafios que temos pela frente consistem precisamente em sair dessas duas armadilhas – a armadilha da pobreza e a armadilha da instabilidade política.


É um desafio cuja equação, como é óbvio, ultrapassa largamente as metas deste período excepcional de Transição Política. Por isso não vamos estender-nos muito nesse aspecto.


Tendo em vista esse enorme passivo económico e político ainda não ultrapassado, cumprir, no prazo que foi estipulado, as metas inscritas nos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, é algo que realmente está fora do nosso alcance, pelo menos, nos próximos tempos.


Mas ter de reconhecer isso, não significa que o governo, a sociedade civil e, em geral, os parceiros bi e multilaterais de desenvolvimento da Guiné-Bissau – entre os quais se destacam as agências especializadas das Nações Unidas -, se tenham desistido do esforço, antes pelo contrário.


Na Educação, na Saúde, nas políticas de igualdade de Género, na luta contra a Pobreza, nas políticas de Ambiente viradas para o Desenvolvimento Sustentável, etc. O país tem registado progressos moderados, contudo, que ficaram bastante aquém dos níveis satisfatórios. 


Minhas Senhoras, meus senhores


O Estado guineense não é, e nunca foi alheio à evolução da conjuntura política internacional, nunca foi indiferente às esperanças e sofrimentos dos povos do mundo.


Neste registo, somos em África profundamente solidários com os nossos irmãos da CEDEAO. Desejamos os melhores sucessos ao povo do Mali, que acaba de dar provas de grande maturidade, acorrendo com civismo às urnas nas recentes eleições gerais que marcaram o fim do período de Transição Política e, ao mesmo tempo, deram um sinal forte de reconciliação nacional e do início de reconstrução de um país dilacerado por imediatismos inaceitáveis.


Aproveitamos esta ocasião para felicitar a França pelo papel crucial que desempenhou, garantindo, asim, a salvaguarda da integridade do território maliano, base de soberania nacional do povo do Mali.


Repudiamos os ataques terroristas na Nigéria e no Quénia, animados por um radicalismo que tem provocado tantas vítimas em nome da intolerância religiosa e, nesta circunstância, queremos manifestar toda a nossa solidariedade aos povos irmãos da Nigéria e do Quénia, aos Presidentes Johnatan Goodluck e Uhuru Kenyatta, aos seus Governos e aos familiares das vítimas.


Fazemos votos para que na vizinha República da Guiné o processo eleitoral possa ser concluído com êxito e, assim, ver aberto o caminho de uma autêntica reconciliação nacional naquele país irmão.


No Egipto e na martirizada Síria esperamos que o diálogo e a diplomacia prevaleçam sobre a via da força, e, deste modo, se possa evitar o sacrifício de tantas vidas humanas.


No Médio Oriente continuamos a defender com a mesma convicção de sempre a causa Palestiniana. Consideramos ser de importância crucial para o povo palestiniano e, em geral, para a estabilidade política e consolidação da Paz no mundo árabe, o avanço das negociações entre a Autoridade Palestiniana e o Estado de Israel tendo em vista a criação de um Estado Palestiniano soberano de acordo com as Resoluções pertinentes das Nações Unidas.


Na Europa, uma palavra especial à França que nunca nos deixou, e que contínua bem presente na busca das melhores via para ajudar a Guiné-Bissau a vencer a sua crise política. E ao Reino de Espanha cuja presença do seu embaixador entre nós tem sido muito importante para os nossos esforços de normalização política.


Timor amigo, um pequeno país do espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem demonstrado um notável espírito de cooperação com o meu país, numa demonstração que, realmente, é nos momentos mais difíceis que os amigos se conhecem.


As autoridades de Timor perceberam uma coisa muito simples, e que é esta: apoiar um processo institucional de normalização política não é a mesma coisa que apoiar um golpe militar, antes pelo contrário. Muito obrigado Senhor Presidente Matan Ruak, muito obrigado senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.


Aproveito, pois, esta ocasião para agradecer ao ex-presidente timorense José Ramos Horta, laureado com o Prémio Nobel da Paz e Representante Especial doSecretário-geral das Nações Unidas por tudo o que tem feito pela Guiné-Bissau e pelo seu povo.


Com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa esperamos um dia – e que esse dia seja para breve – ver restabelecida a plena normalidade das nossas relações que é do interesse dos nossos povos e do nosso Estados soberanos. 


Em relação à Cuba defendemos, como sempre, o fim do embargo que já dura décadas, o avanço das reformas em curso nesse país amigo ao qual nos ligam tantos e profundos laços de amizade e de solidariedade.


Na Ásia, queremos manifestar a nossa profunda gratidão à República Popular da China, pela dimensão e intensidade da cooperação que desenvolve com o meu país. Os frutos dessa cooperação – nomeadamente no domínio da construção de importantes edifícios públicos – passarão à história como marcos indeléveis de uma amizade que vem desde os tempos da nossa luta armada de libertação nacional.


À Sua Excelência Alassane Ouatarra, Presidente da República da Costa de Marfim e presidente em exercício da CEDEAO e à Sua Excelência Johnathan Goodluck, Presidente da República Federativa da Nigéria e Presidente do Grupo de Contacto para a Guiné-Bissau vão os profundos agradecimentos do povo guineense, agradecimentos que estendo a todos os Chefes de Estado e Chefes de Governo dos países-membros da CEDEAO.


Obrigado pela vossa atenção

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