sexta-feira, 15 de maio de 2020

Nomeação de procurador é “insulto à memória” das “vítimas de assassinatos políticos”

Partidos guineenses da maioria escreveram uma carta à CEDEAO para protestar contra a “extrema gravidade” da escolha de Fernando Gomes. Ao PÚBLICO, o procurador-geral pergunta: “Se as pessoas têm provas por que não me denunciaram?”.

Guiné-Bissau: Fernando Gomes é novo Procurador-Geral da República ...A nomeação do antigo ministro do Interior da Guiné-Bissau Fernando Gomes como procurador-geral da República gerou uma onda de críticas e uma acção concertada de vários partidos políticos guineenses, incluindo aquele que tem a maior bancada parlamentar, o PAIGC, que enviaram esta semana uma carta ao presidente da comissão da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) a protestar contra a decisão do Presidente, Umaro Sissoco Embaló.
“Esta nomeação é um atentado aos direitos humanos e um insulto à memória de inúmeras vítimas dos assassinatos políticos que ensanguentaram o país durante o governo de Carlos Gomes Júnior, entre 2008 e 2012”, diz o documento. “Esperamos que a nossa organização regional não mais permita que exerçam funções no aparelho do Estado pessoas cuja implicação ou inacção possa ter conduzido à prática de crimes de sangue”, acrescenta a carta endereçada ao presidente da comissão da CEDEAO, Jean-Claude Kassi Brou.
Idriça Djalo, líder do Partido da Unidade Nacional (PUN) e impulsionador da iniciativa, salientou ao PÚBLICO que este é um momento “importante”, porque “é a primeira vez que um grupo de partidos políticos, incluindo o PAIGC, pede sanções contra crimes de sangue nas governações passadas”.

Os partidos que assinam a carta compõem a coligação maioritária na Assembleia Nacional Popular, a quem a CEDEAO exigiu que seja devolvido o controlo do Governo até 22 de Maio, no respeito pelo resultado das eleições legislativas de 2019. Embaló demitiu o executivo de Aristides Gomes que emanava dessa maioria.
“Para mim esta carta representa uma certa esperança para o futuro”, diz Djalo. “Pelo menos saímos desta omertà [silêncio mafioso] que não dignifica a classe política e os guineenses, porque com o seu silêncio é cúmplice desses crimes de sangue. O silêncio é, de certa forma, pactuar com os assassinos.”

Aproveitando esse clima de entendimento num quadro alargado de partidos políticos, a carta é muito clara nos seus termos, se a CEDEAO nada fizer para pressionar o Presidente guineense a substituir o procurador-geral, abrirá caminho “para novas crises políticas na Guiné-Bissau”. Até porque, garantem, “levarão a cabo, sem tréguas, uma batalha determinada até que o senhor Fernando Gomes seja demitido das suas funções”.

Gomes, que foi presidente da respeitada Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), autor de um livro sobre o tema, Direitos Humanos na Guiné-Bissau (Chiado editora), foi ministro do Interior (2011-2012) num período conturbado e violento do país, que culminaria com o golpe militar contra o primeiro-ministro Carlos Gomes Jr., a 12 de Abril de 2012.
A execução de Yaya Dabó, oficial dos serviços de segurança, “a sangue frio, nas instalações do Ministério do Interior”, é imputada “directamente” a Gomes: “Ele não é o autor material, mas era ministro do Interior”.
“Nenhum inquérito foi aberto sobre este assassinato, nem sobre os outros [incluindo o do irmão de Yaya Dabó, Baciro Dabó, ex-ministro do Interior e candidato à presidência, assassinado durante a campanha]. A impunidade que vigorou durante esses anos sombrios conduziu, sem dúvidas, ao golpe de Estado de 2012 contra Carlos Gomes Júnior”, lê-se na carta.

“O crime foi público, cometido por um agente da polícia e o ministro, que era o Fernando Gomes, não tomou nenhuma medida. O homem ficou lá até à saída dele do ministério. É assim que na Guiné-Bissau se alimenta a impunidade”, sublinha Djalo que não diz que o actual Presidente guineense é cúmplice dessa impunidade, apenas que “está a usar” Gomes, “uma pessoa que demonstrou que pode prestar serviços deste tipo”. 

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“A Guiné continua, na impunidade, promovendo as pessoas que estão ligadas directamente aos assassinatos ou que encobriram os assassinatos”, acrescenta o líder do PUN. “O fim da impunidade é condição indispensável para a estabilização da Guiné-Bissau. Estamos convencidos de que uma saída da crise no nosso país passa pelo respeito pelo Estado de direito e pela democracia. Uma sociedade que se compromete a este nível com assassinos não pode ser uma sociedade livre e saudável. É por isso que não há nenhum inquérito contra o tráfico de droga.”

Sem provas
Ao PÚBLICO, o procurador-geral da República (PGR) sublinha peremptoriamente: “Não tenho nada a ver com o assassinato do Yaya Dabó”. E deixa o desafio que já deixou em 2014, quando regressou a Bissau do exílio em Portugal: “Quem tem provas de que Fernando Gomes, enquanto ministro do Interior, tem alguma responsabilidade na morte, não só de Yaya Dabó mas de qualquer mas de qualquer cidadão guineense de forma direta ou indirecta, como autor moral ou material, convido essa pessoas a que me denunciem junto das instancias juridicas".

"Desde essa data, e até hoje, nunca fui chamado ao Ministerio Publico. Ninguem me acusou" Nunca ouvi mais nada sobre o assunto até ao momento em que fui nomeado procurador-geral da Republica", afirma e volta a insistir: "Se as pessoas têm provas por que não me denunciaram? Sera que o Fernando é tâo importante que as pessoas tiveram medo de me acusar?"

"Essas pessoas que me acusam nada fizeram poe este país, eu fiz", sublinha sem falsas modestias.
"Fui e continuo a ser um grande defensor dos direitos humanos, fui eu o fundador da Liga de Direitos Humanos, fui eu o promotor de toda a campanha contra a pena de morte na Guiné-Bissau que culminou com a sua ebolição. O que é que lideres desses partidos fizeram para o ben da sociedade guineense? questiona.

Se tinha provas de facto, o Domingos Simões Pereira, lider de PAIGC, teve uma soberana ocasiao quando fou primeiro-ministro da Guiné-Bissau. Ele podia, na altura, exercer sua influencia e não fez isso. E os outros também não fizeram. Porquê? diz o procurador. "Alias, o Domingos após o seu regresso de exilio, tentou aproximar-se de mim, pediu a pessoas muito conhecidas aqui na praça publica para me transmitirem que queria fazer a paz comigo", explica, acrescentando que chegou de haver um encontro entre os dois, com testemunhas, no seu escritorio em Bissau.

Fernando associa essas cusações o facto de ter escolhido a luta contra corrupção como seu principal objectivo no cargo. "Se as pessoas têm medo, porque elegi essa area como prioridade das prioridades a luta  contra a corrupção, quero  acalmar os ânimos: nâo há alvos prê-selecionados. Elegi essa area porque é o maior mal da Guiné-Bissau, que está a correr as bases desta sociedade. Mas vamos fazer o nosso trabalho de investigação e qualquer pessoa que for apanhada, vamos trazê-lo a justiça", afirma.

No entanto, não deixa de salientar que não está agarrado a cargos: "Fui convidado, como cidadão, e aceitei, mas não tenho problema se a qualquer momento o senhor Presidente entender que eu devo ser exonerado".

Carlos Sangreman, especialista em cooperação, conhecedor da situação politica guineense, não se pronuncia sobre a passagem de Fernando Gomes pelo Ministerio do Interior, por não conseguir distrinçar,  entre tudo o que se conta, o que é verdadeiro e o que é falso, mas salienta que pela LGDH "o que ele fez foi importante".

Mas, a questão por Sangreman, é qual vai ser o papel ded Fernando Gomes como PGR: se cumprirá o que diz no discurso de posse ou vai acabar,  como a maioria dos anteriores, a fazer a vontade do Presidente", criando processos reais ou "inventados". A pedra de toque será a impunidade do poder e a investigação ao trafico e às cumplicidades da circulação de droga que,  em altura de instabilidade e falta de  dinheiro, cresce sempre", conclui o coordenador de Guiné-Bissau - Notas sobre o Presente e o Futuro.
Rispito.com/Africa, 15/05/2020

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