DSP: “eventualmente a Guiné-Bissau precisa de apoio, mas precisa primeiro de um diagnóstico”
Há agora um pouco mais de duas semanas, o Palácio do governo da Guiné-Bissau foi atacado por homens armados quando estava a decorrer uma reunião do Conselho de Ministros juntamente com o Presidente da República. Deste ataque que resultou em 8 mortos, pouco mais se sabe por enquanto, estando atualmente a decorrer um inquérito conduzido por uma comissão governamental.
Desde então, as forças de Defesa e Segurança começaram a efetuar buscas em residências de particulares em Bissau, referindo estar à procura de armas para prevenir eventuais novos atos violentos. Segundo organizações da sociedade civil, contudo, estas buscas têm ocasionado atropelos, agressões e detenções ilegais.
Também durante este lapso de tempo, a radio ‘Capital FM’ que é crítica em relação ao poder, foi atacada por homens armados, o balanço sendo de 7 feridos e importantes danos materiais. Este caso que foi qualificado pelo governo guineense de “ato isolado”, foi seguido por ataques contra as residências de duas figuras ligadas àquela estação, o analista Rui Landim e o ativista dos Direitos Humanos Luís Vaz Martins.
Foi neste contexto que a RFI conversou com Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, que Rispito.com partilha com os leitores do espaço.
RFI: Qual é a avaliação que faz da situação na Guiné-Bissau?
Domingos Simões Pereira: Num país normal e em circunstâncias normais, devíamos basear nossa avaliação em informações concretas e fidedignas que nos permitam situar-nos sobre os acontecimentos para que essa avaliação seja a mais rigorosa e se possível, até, a mais credível. A dificuldade tem a ver com o número de explicações que já se deram. Devo dizer que no dia dos próprios acontecimentos, começamos por ouvir que se tratava de um choque entre narcotraficantes, a seguir foi dito que se tratava de um grupo de oficiais militares que estavam envolvidos e finalmente –curioso- diz-se que se tratava de uma tentativa de golpe de Estado, mas que não envolvia os quartéis. Ora, um golpe de Estado que não envolve quartéis levanta muitas questões. Portanto, aquilo que esperávamos e aquilo que exigimos também a própria comunidade internacional é que se crie uma comissão de inquérito que tenha credibilidade e que tenha competência para apurar os factos e, com base nos factos, poder oferecer à nação guineense uma explicação que seja plausível.
RFI: O Presidente da República, há dias, citou os nomes de 3 antigos militares que foram condenados no passado por tráfico de droga…
Domingos Simões Pereira: Isso segue a mesma lógica, porque essa afirmação em relação a ser ‘um choque’ entre narcotraficantes foi feita no próprio dia. Qualquer cidadão normal pergunta ‘de onde é que vieram esses dados? ’. Essas pessoas foram presas no acto? Essas pessoas foram encontradas em alguma circunstância que as liga àquilo que aconteceu? Ou houve uma avaliação que levou a essa conclusão? Quando, depois, ouvimos que nada disso aconteceu, então afinal de onde é que veio essa informação? Dois dias depois, ouvimos a CEDEAO tomar uma decisão em relação ao envio de forças para o país. Só podemos admitir que se a CEDEAO toma esta decisão é porque ouviu uma explicação que foi no sentido de que a nação guineense e as estruturas responsáveis por garantir a integridade territorial estariam a ter dificuldades. Agora, como é que isso se combina? Com o facto de se dizer que as estruturas militares não participaram nesse processo. Eu também não ouvi que alguma entidade fosse demitida ou responsabilizada por ter havido 5 horas –o número foi dado pelas entidades oficiais- 5 horas de trocas de fogo dentro do palácio do governo. Sabemos que há unidades militares que distam de 200 ou 300 metros do palácio do governo e há outras nas imediações. Portanto, se nenhuma dessas entidades participou tanto no sentido da intenção do golpe, como no sentido de resolver o problema que estava a acontecer, eu penso que todos aguardávamos que houvesse alguma clarificação em relação a isso. Portanto, aquilo que dissemos à CEDEAO é que a CEDEAO tem que evitar de ser envolvida num processo onde as forças são mobilizadas por conveniência de determinadas entidades. Pensamos que deveria ser para garantir a segurança do povo guineense e para que esta situação possa ser esclarecida sem aproveitamentos políticos.
RFI: Desde então, tem havido uma série de iniciativas, nomeadamente buscas casa-a-casa em Bissau. Poderia falar sobre este especto, uma vez que o PAIGC fez um comunicado sobre este assunto?
Domingos Simões Pereira: Temos que repudiar, temos que refutar e temos que alertar a população para aquilo que isto significa. Isto significa uma tentativa de amordaçar a democracia. Isto significa utilizar a competência que o Estado tem para usar a capacidade de repressão a favor de interesses políticos porque obviamente que as pessoas que estão sendo visitadas à noite, são aquelas que o poder actual estabeleceu como alvos e que certamente isto está a acontecer para capitalizar alguma vantagem política. Isto é extraordinariamente grave. Não só é grave porque é injusto, mas é grave porque pode correr mal. E quando correr mal, vai correr mal para nós todos. A justiça não se faz com base naquilo que me é conveniente. A justiça faz-se, primeiro com base na identificação dos factos ocorridos e depois permitimos que a lei e os tribunais funcionem. Quando eu chamo a mim a competência de decidir quem fez, quando fez, como é que fez, depois fica difícil pedir que outras pessoas também não utilizem outros mecanismos para se defenderem. Até porque há outra situação que se associa. Como é que então explicamos que dias depois desse assalto no palácio do governo, haja um assalto à rádio ‘Capital FM’ e o poder vem nos dizer que não sabe e que se tratou de um “acto isolado”. Se é um acto isolado, vamos dizer que são milícias, porque se não são nem militares, nem policias, mas que estavam armados, então era uma milícia. Se no próprio palácio do governo, não se tratou nem de militares, nem de policias, então eram também milícias. A questão é: quem é que tem milícias neste país? Estou a falar da radio ‘Capital FM’, mas não aconteceu só na rádio ‘Capital’. Tivemos os ditos comentadores políticos que foram visitados à noite, foram agredidos e vimos a forma absolutamente irresponsável como o poder reagiu a estas situações. Não sabemos de quem é que se trata. O próprio poder admite a existência dessas milícias que andam pelo interior das nossas cidades para violentarem aqueles que estão previamente assinalados com alvos dessa intervenção.
RFI: Relativamente às circunstancias em que a CEDEAO recomendou o envio de uma força de estabilização à Guiné-Bissau, o Primeiro-ministro afirma que a CEDEAO não foi solicitada pelo executivo neste sentido. A seu ver, como é que surge esta decisão?
Domingos Simões Pereira: A CEDEAO, enquanto organismo sub-regional devia ser uma entidade perfeitamente alinhada com o nosso edifício jurídico. E portanto, ao ouvir o relato de uma instância, porque aquilo que os órgãos de comunicação transmitiram era a ministra dos Negócios Estrangeiros que tinha representado o país a fazer essa apresentação, e portanto todos deduzimos que o governo tinha feito uma apresentação e solicitado a mobilização de uma força de estabilização. Se o primeiro-ministro vem dizer que isto não aconteceu, ainda estamos mais perdidos. Segunda coisa é que, mesmo que tivesse havido essa tal informação, a CEDEAO sabe que tem que contactar os órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia Nacional Popular, para se assegurar que ela está alinhada e que há um pedido formal das entidades públicas e politicas guineenses nesse sentido. Porque senão é aquilo que já falei noutros momentos. É que toda esta turbulência acontece não só depois da tal remodelação governamental, mas também acontece numa altura em que se começou por falar num acordo para a exploração de petróleo que ‘afinal não existia, mas afinal existia’, que a Assembleia Nacional Popular decidiu anular e que ouvimos outras entidades dizerem que tinham competência para ir para a frente, ignorando a posição da Assembleia Nacional Popular. A seguir a isso, o que é que tivemos? Uma demonstração de força. Apareceram militares em aguas territoriais da Guiné-Bissau a fazerem exercícios. Quando a Assembleia Nacional Popular questionou que militares eram esses e porquê esses exercícios militares em aguas territoriais da Guiné-Bissau, a primeira informação oficial era de que se tratava de um exercício da CEDEAO, que afinal tinha acontecido há mais de um ano. Como é que militares da CEDEAO fazem exercícios militares em aguas territoriais da Guiné-Bissau, incluindo uma única nacionalidade? A CEDEAO é composta por muitas nacionalidades. Eles tentam dizer que ‘cá está o PAIGC outra vez a levantar muitas questões’, mas essas questões são mais do que pertinentes, são um alerta à sociedade guineense.
RFI: A seu ver, qual é o cenário mais plausível se efetivamente se concretizar a vinda das tropas da CEDEAO?
Domingos Simões Pereira: Eu penso –e espero- que o cenário que se deve concretizar é a CEDEAO ganhar consciência da sensibilidade do assunto. Eventualmente a Guiné-Bissau precisa de apoio, mas como qualquer doente precisa primeiro de um diagnóstico e, em função desse diagnóstico, poder-se analisar. Nós, o PAIGC e todos os partidos que fazem parte do nosso espaço de concertação democrática, fizemos questão de alertar o secretário geral das Nações Unidas, fizemos questão de alertar o presidente em exercício da CEDEAO, o presidente em exercício da conferencia de chefes de Estado da CPLP, pessoalmente falei com o representante do secretário geral das Nações Unidas. Todos têm conhecimento da nossa leitura daquilo que está a acontecer na Guiné-Bissau e, portanto, diretamente são também responsáveis por qualquer decisão que seja tomada e que tenha eventualmente implicações não mais positivas.
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