ECOMIB será substituída por tropas estrangeiras, vaticina DSP
O líder do Partido Africano
da Independência da Guiné
e Cabo Verde (PAIGC),
Domingos Simões Pereira
(DSP), em entrevista a e-Global disse que a decisão do Supremo Tribunal de
Justiça é a “ultima palavra”
sobre o contencioso
eleitoral, mas espera que o
mesmo critério da
aplicação da lei sirva para
“corrigir todos os actos que
foram cometidos à margem
da lei”
Domingos Simões Pereira
dá também a sua opinião
sobre a “nova maioria”, o
Projecto de Constituição,
as divisões internas no
PAIGC e sua liderança
posta e causa, bem como
outros temas.
Sobre as eleições
presidenciais o Supremo
Tribunal de Justiça já deu a
última palavra. O que nós
esperamos é que, da
mesma forma que nós
expressemos o nosso
respeito e que assinalamos
todas as questões com as
quais não pactuamos,
também esperamos que a
separação dos poderes seja respeitada e as outras
instâncias reconheçam que
houve eleições em Março
de 2019, e essas eleições
produziram um vencedor e
esse vencedor tem o direito
de ter o seu governo.
Sendo esta decisão válida,
temos de ter isso como
ponto de partida e corrigir
todos os actos que foram
cometidos à margem da lei.
Ou, tudo isto foi uma farsa
para se ajustar um acto
consumado.
O PAIGC reconhece que o
Supremo Tribunal de
Justiça (STJ) é a instância
máxima do recurso.
Recurso este que tinha sido
depositado, assim está
resolvido. Vamos aguardar
se os actos sequentes são
respeitados. Se forem
respeitados, sendo ele
investido no cargo de forma
oficial, cumprindo todas as
regras, sendo presidente da
Guiné-Bissau, será o
Presidente da República de todos os militantes do
PAIGC incluindo o
Domingos Simões Pereira.
Se não respeitar estes
preceitos, põe em causa o
Estado de Direito, e o
Estado de Direito é a lei, a
mesma lei que
eventualmente ele não
respeita para reconhecer
ao PAIGC a vitória nas
eleições legislativas, e
obriga também a qualquer
cidadão não respeitar
aquilo que em outras
circunstancias deveriam
respeitar.
Numa leitura conceptual,
teórica, pode-se admitir
que há uma nova maioria
porque o parlamento votou
contra um programa do
governo que resulta das
eleições.
O problema é que o ponto
de partida é o resultado das
eleições, e as eleições
ditaram que o PAIGC
venceu as eleições. Se o
parlamento vota
desaprovando o programa
e como consequência isso dá um derrube do Governo,
as consequências disso
devem ser retiradas, e se
acabar por resultar na
formação de uma nova
maioria, assim seja.
No entanto, não pode ser
um presidente
autoproclamado que como
primeiro acto desaloja um
governo eleito num regime
semipresidencial de pendor
parlamentar. Não faz
qualquer sentido Portanto, vamos aguardar
mais uma vez para ver
quais são os próximos
passos. Vamos embarcar
numa tentativa de repor a
normalidade e todos nós
temos de reconhecer que
mesmo não estando de
acordo com determinadas
decisões, se elas
correspondem ao nosso
edifício jurídico, devem ser
respeitadas. Ou
continuamos a escolher
aquilo que nos é agradável
e negar o que não nos
convém. Se é isso, então
todos os cidadãos são
convidados a fazer o
mesmo.
O PAIGC já reagiu e eu
alinho-me com essa
posição. Essa proposta não
existe. Primeiro, quem a
propõe não tinha
competência para isso.
Poderá vir a ter, mas ainda
não a tinha. Pode ter
opinião, mas não tem o
direito de iniciativa da
proposta de uma revisão
constitucional. Não tem
competência para o efeito,
aquilo que ele propõe, não
faz qualquer sentido. Além
disso o edifício do
referendo não está
legislado nesse sentido,
tem de ser a Assembleia
Nacional Popular a propor,
através das respectivas
comissões, e se entender
deve auscultar o povo, que
na minha opinião é o
caminho a seguir. Nessa
altura todos nós, enquanto
cidadãos, teremos a
oportunidade de sermos
auscultados e dar a nossa
opinião em função das
estruturas a que
pertencemos.
A minha reacção é que não
existe proposta nenhuma,
não existe referendo
nenhum, existe sim uma
comissão criada pela ANP
que deve avançar com a sua
proposta de revisão
constitucional e a sede da
assembleia decidir
conforme aquilo que está
previsto na nossa
Constituição. Tudo que vem
de outras proveniências, eu
não tenho conhecimento,
não me diz respeito e não
tenho qualquer ligação a
isso.
Sempre disse que um
partido como o PAIGC,
histórico e com a sua
dimensão, assim como com
todo o percurso do PAIGC,
nem todo o mundo pode
estar alinhado em todos os
assuntos.
Mas o PAIGC tem os seus
princípios e os seus
estatutos, tem o seu
regulamento disciplinar, tem os seus órgãos
competentes onde os
militantes, os dirigentes,
têm o direito de defender
as suas opiniões, incluindo
opiniões que possam ser
contrárias à direcção e
particularmente o seu líder.
Sempre disse e repito, que
se um órgão superior do
partido, quando me refiro a
órgão superior do partido,
estou a referir-me à
comissão permanente, ao
Bureau Político, ao Comité
Central e, em última
instância, ao Congresso,
tomarem uma decisão que
contraria e entenda que
devo mudar de rumo, eu
serei o primeiro a
reconhecer isso e a
conformar-me, por que isso
é uma expressão da
democracia e expressão da
própria pluralidade, que
deve existir numa estrutura
como do PAIGC.
Mas não pode ser fretes.
Não pode ser gente que um
dia sai do PAIGC, porque
não consegue lugares de
ministros, no dia seguinte
está no partido da oposição. Quando nos
aproximamos das eleições
presidenciais voltam ao
partido, depois de fazerem
as contas e perceber quem
ia ganhar essas eleições, e
não sabiam que iria haver a
fraude que houve.
Apareceram para se
juntarem ao PAIGC, mas
assim que são lançados os
resultados anal pensam
que não estavam no lado
certo e toca a correr
rapidamente para ver se
ainda conseguem satisfazer
o outro lado.
Eu não falo dessa gente,
mas sim dos militantes e
dos dirigentes do PAIGC,
que me conhecem muito
bem, que sabem que eu não
estou preso ao lugar e que
vou respeitar os órgãos
superiores do partido, em
observância daquilo que as
nossas regras internas
decidirem
Temos armado o nosso
principio de abertura e de
inclusão, de sermos
capazes de trabalharmos
juntos, mas também nós
provamos isso desde 2014
sob a minha liderança.
Num primeiro momento o
PAIGC com uma maioria
absoluta não teve
problemas em convidar o
PRS a integrar o Governo,
porque nós reconhecemos
que depois de tantos anos
de instabilidade que
vivemos, as reformas que
são necessárias exigem um
entendimento alargado,
por um lado, e por outro
exigem que todas as
competências nacionais
possam ser agregadas
nesse trabalho conjunto de
resgatar o país e promover
o seu desenvolvimento.
Nós tivemos um excelente
resultado na mesa redonda
de negociações em Março
de 2015, não foi só porque
o Domingos, e as pessoas
que o acompanharam,
escreveram um bom
documento. Foi porque
estávamos lá todos, foi porque fomos capazes de
falar numa mesma voz e
convencer os nossos
parceiros que estavam em
frente de um povo que sabe
o que quer e que está unido
no sentido de atingir esses
propósitos
O PAIGC já provou que tem
essa capacidade e está
disposto a fazer esse
caminho. Estamos
dispostos a falar com todas
as formações políticas e
eventualmente estabelecer
as relações que sejam
necessárias.
O MADEM é um partido
político, conseguiu um
resultado importante nas
últimas eleições, não pode
haver a intenção de o
ignorar. Mas penso que
aquilo que tem sido as
armações do MADEM,
aquilo que tem sido os
propósitos dos líderes do
MADEM, é que torna essa
questão (aliança com o
MADEM) interessante.
Ou seja, saber se o
MADEM tem essa
disponibilidade, para
reconhecer primeiro onde está a ordem, quem é a
estrutura que foi
vencedora das eleições
legislativas, porque só
assim nós teremos o Estado
de Direito democrático. O
Estado de Direito
democrático não pode ser
feito apenas com base
naquelas leis que nos
podem ser favoráveis
Hoje eu não estou
satisfeito com o Supremo
Tribunal de Justiça, nem um
pouco mais ou menos, e não
acho que tenha sido
coerente a posição que o
Supremo Tribunal de
Justiça assumiu, mas sou
obrigado a reconhecer que
é a instância máxima, não
vou agora inventar um
outro mecanismo de
recurso judicial
A CEDEAO é o nosso
espaço de integração
regional. A Guiné-Bissau
não está em condições de
fazer frente aos colossos da
sub-região. Mas um estado
é um estado e esperávamos
mais respeito, maior dignidade, maior
capacidade de articulação
com essa estrutura.
Por exemplo. Como é que
se pode acreditar que o
presidente de uma
comissão da CEDEAO
reclama-se no direito de
poder decidir de um
contencioso eleitoral,
substituindo os órgãos se
soberania nacional. É
impressionante.
Mas também. A vocação
primeira das organizações
internacionais é reforçar as
instituições democráticas
dos estados membros. Não
podemos compreender se
logo depois da proclamação
dos resultados provisórios,
nós não criamos um motim,
não estivemos barricados
em sitio algum, pondo em
causa a segurança interna.
Nós fizemos recurso ao STJ
conforme está plasmado na
nossa Constituição. Nós
devíamos receber por parte
da CEDEAO aplausos e
dizerem que assim é que
deve ser, e vamos trabalhar
no sentido de se criarem as
condições objectivas para que o STJ possa decidir de
forma livre e respeitado as
leis.
O que é que nós vimos?
Vimos alguns presidentes
da República de estados
membros convidarem um
dos candidatos e o
receberem já com pompa e
circunstância, tratando-o
como Chefe de Estado. Isto
põe em causa o próprio
edifício democrático do
nosso país, mas também a
própria carta de
constituição da CEDEAO.
Temos de ver também a
aberração daquilo que
acontece no Mali. Talvez
embalados por aquilo que
zeram na Guiné-Bissau,
tentaram fazer
exactamente a mesma
coisa no Mali. Só que desta
vez a forças armadas
estavam numa posição
contrária e que disseram
aqui é a nossa soberania. O
que aconteceu foi que a
CEDEAO perdeu o rosto,
perdeu legitimidade,
perdeu capacidade de
intervenção.
Eu não sou a favor dessa
imagem da CEDEAO.
Espero que deixem de ter
agendas próprias e a
CEDEAO compreenda a
necessidade de colaborar
com os estados membros O que piorou é o facto de
nós perdermos muito
tempo. Estamos a perder
tempo com coisas que não
interessam ao povo
guineense. O que interessa
ao guineense é ir para a
frente e que o país se
consolidasse, que o país se
tornasse num país de paz,
de tranquilidade e que de
facto o desenvolvimento
pudesse ocorrer.
Nós temos no país grandes
programas que foram
desenhados desde a
independência até agora.
Tais como “Djitu Ten”,
desenvolvido pelo INEP; o
programa de combate à
pobreza; e o programa
“Terra Ranka”. Como todos
sabem esses programas
não são independentes.
Quando desenhamos o
programa “Terra Ranka”,
fomos beber nos outros
programas e fazer um
trabalho bastante mais
integrado e completo.
Em 2015, os guineenses
sonharam juntos, e
sonharam com um país que
iríamos construir juntos.
Todos os povos do mundo
encontrando-se nessas
condições espera que
aquilo que nós propusemos
na altura que fosse
substituído por algo
melhor, fosse substituído
por outra dinâmica. Por isso
perdemos muito tempo e
perdemos a confiança dos
nossos parceiros.
Hoje pode surgir um novo
programa, mas quando
formos falar aos nossos
parceiros de
desenvolvimento,
provavelmente vão estar
um pé atrás. Isto é uma
derrota colectiva de nós
todos e um retrocesso
muito grande.
O que é que ganhamos? O
consulado do José Mário
Vaz foi tão caótico, tão contrário às aspirações do
povo guineense, que pôs à
prova todas as instituições.
Pôs à prova a Constituição,
pôs à prova os tribunais,
pôs à prova a ANP, pôs à
prova todas as instituições.
Felizmente, apesar de tudo,
que não será alheio à
postura que o PAIGC tem
tido desde 2015 até agora,
fomos capazes de tratar
isso sempre nas instâncias
competentes. Hoje nós
sabemos o que funciona e o
que funciona menos na
nossa Constituição, assim
como na articulação entre
os órgãos da soberania,
quais são os riscos e as
ameaças quando um órgão
de soberania tenta ingerir-se nas áreas de intervenção
de outros órgãos de
soberania. Portanto, nós
devíamos ter crescido
democraticamente e estar
bastante mais robustos em
termos da nossa
capacidade de implementar
a nossa constituição e as
nossas leis. Isto poderia ter
sido uma vantagem.
O crime organizado,
nomeadamente o
narcotráfico, tem sinais na
Guiné-Bissau. Sinais que
estão relacionados com as
entradas e saídas de aviões
sem passarem pelos
circuitos normais.
Concessão de passaportes
diplomáticos a pessoas que
não têm qualquer ligação
com a Guiné-Bissau, nem
nada que os faz merecer
conceder a atribuição
desses documentos, que
são recebidos diariamente,
não só no Palácio da
República como no Palácio
do Governo.
O narcotráco tem um
padrão, procura
instituições que são frágeis
e administrações que são
frágeis. A fragilidade não
está só na falta de meios
para o combate, mas na
própria determinação e na
predisposição das
autoridades em fazer esse
combate. Provavelmente o
que estamos a assistir é o
recrudescer dessa situação que provavelmente as
actuais autoridades são tão
propensas à existência
desse crime organizado
que as instâncias do crime
organizado sentem-se
confortadas em voltar à
Guiné-Bissau.
Toda a fraude que nós
denunciamos teve
participações e implicações
que não vieram
exclusivamente de dentro
do nosso território.
Durante a nossa campanha
eleitoral pelo menos um
país vizinho, e mesmo
países limítrofes, enviaram
elementos de fora para
fazerem campanha, porque
estava em concorrência
alguém que se identificava com os seus objectivos.
Este assunto foi debatido
na televisão nacional do
Senegal, em que falavam
que na Guiné-Bissau havia
um candidato que era mais
um candidato do Senegal
que da Guiné-Bissau.
Encontramos viaturas que
por baixo dos cartazes da
campanha na Guiné-Bissau
tinham esfinges com o
rosto do presidente de um
estado limítrofe à Guiné-Bissau. É uma ingerência
directa.
Logo a seguir à declaração
dos resultados pela CNE
nós apresentamos uma
impugnação, isto não
impediu que no mesmo
momento juntassem-se
pessoas de uma mesma
etnia, com responsáveis políticos de vários países
aqui da sub-região para
verem que tipo de
estratégias deviam montar
para que esse processo não
voltasse atrás, e isso foi
levado à própria CEDEAO.
Uma agenda de um
determinado candidato
com uma determinada
etnia e religião, passou a
ser a agenda de
determinados países e ter
sido levada à nossa
organização sub-regional.
Por outro lado, será que
estão a tirar as tropas da
CEDEAO (ECOMIB) para
serem colocadas tropas de
um país que tem uma
agenda concreta com o
novo inquilino? É uma
questão que os guineenses
têm de pôr. De Gabu
chegam também
informações preocupantes
da chegada de estrangeiros.
Quanto à divisão étnica no
país, está cada vez mais
acentuada e todos o dizem.
Rispito.com/e-Global, 15/09/2020
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